15 dezembro 2018

Liberdade ameaçada


Charge de Mário
Sob o olhar do fascismo: Educação na mira do terror
Wallace Melo*

Na primeira semana, após o resultado do segundo turno, o Brasil já percebeu as consequências da propagação do ódio, da violência e da perseguição. Agressões a minorias, tiros para o alto, vandalismo e destruição foram algumas das marcas que ficaram depois que o país elegeu a presidência, o candidato Jair Bolsonaro (PSL). Mas, nada estava tão ruim que não pudesse piorar.
Logo na segunda feira (29), se espalhava pelas diversas regiões do país, as mensagens proferidas pela recém-eleita deputada estadual de Santa Catarina, Ana Caroline Campagnolo (PSL), que alertando as famílias e estudantes sobre a possibilidade de doutrinação (sobretudo comunista) nos discursos dos professores e professoras, nos dias posteriores ao processo eleitoral, solicita que os (as) alunos (as) que presenciassem essas posturas dos (as) docentes, filmassem e denunciassem a escola e o(a)educador, para que medidas sejam tomadas contra o(a) profissional.
A notícia repercutiu em todo o Brasil. Em Pernambuco, não tardou, e surgiu um movimento que, reivindicando a defesa dos direitos das crianças, fez a mesma solicitação para as famílias e estudantes recifenses, disponibilizando até mesmo um contato para possíveis denúncias.
Com absoluta certeza, o episódio chocou grande parte das diversas comunidades escolares por todo país. Entidades nacionais em defesa da educação e dos trabalhadores e trabalhadoras em educação se posicionaram, lamentando o ocorrido e repudiando seus responsáveis. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) lançou uma nota de repúdio à deputada catarinense, denunciando sua perseguição como uma afronta ao preceito da liberdade de cátedra, que se materializa, tanto na Constituição Federal, quanto na própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
Ainda em nota, a CNTE recomendando que, os (as) professores (as) “que por ventura sejam submetidos a essa excrecência: se alguém invadir uma aula sua, garanta a presença de testemunhas; não permita gravações de ninguém, sob pena de ferir o seu direito à imagem; e, por fim, contate imediatamente o seu sindicato local para as medidas jurídicas apropriadas”.
Já a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE), também repudiou o fato, alertando o já conhecimento das práticas de perseguição, censura e criminalização dos (as) professores, por parte de Ana Caroline Campagnolo, que já protagonizou outros episódios de ataques a docentes em seu estado.
De acordo com a CONTEE, a publicação da deputada do PSL é “um desrespeito e um ataque à Constituição da República, de 1988, e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, que trazem em seu escopo a compreensão de que a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Trata-se de uma afronta ao princípio constitucional de que o ensino deve ser ministrado com base na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; no pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; e no respeito à liberdade e apreço à tolerância”.
Segundo a professora de sociologia da Universidade de Brasília (UnB) Berenice Bento, “é muito violenta essa atitude dela. Isso me lembrou os arapongas, na época dos anos 70, na ditadura. Ela autoriza os estudantes a denunciar seus próprios professores, mas denunciar com base em quê?”.
A professora da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) Marlene de Favere declarou que a publicação é inconsequente. “Ela incita a violência, a coação a uma categoria profissional e não atribui para a livre expressão e para o diálogo e o debate salutares em uma sociedade democrática”, disse.
Já a presidente do Sindicato dos Professores de Itajaí, Adércia Bezerra, disse que os professores estão perdendo sua liberdade e o diálogo dentro da sala de aula. “Em muitas instituições de ensino, principalmente particulares, os professores estão tendo que se posicionar anulando os conhecimentos a serem passados para não influenciar”.
E diante tantos depoimentos, reações e denúncias contra Ana Caroline Campagnolo, o Ministério Público de Santa Catarina apresentou, na terça-feira (30), uma ação judicial, solicitando a condenação de uma multa de R$70 mil por danos morais coletivos. Valor que seria destinado ao Fundo para Infância e Adolescência do estado. Segundo a promotoria, a futura parlamentar criou uma espécie de canal e serviço de controle político e ideológico da atividade docente de maneira ilegal.
Entretanto, mesmo com tantas críticas, a ação de Ana Caroline, repercutiu em todo país, foi reproduzida em outros estados e retomou o debate maior que se efetiva como cenário para essa questão, a Escola Sem Partido. Faz um tempo que proposições sobre a instituição de uma efetiva lei da Mordaça se apresentam nas diversas casas legislativas brasileiras (Câmara de Vereadores, Assembleias Legislativas e Congresso Nacional).
Contudo, mesmo sendo considerada inconstitucional, pelo fato de colocar os(as) professores(as) em constante estado de vigilância, impedir o pluralismo de idéias e negar a liberdade de cátedra, as propostas ligadas ao projeto Escola sem Partido, que instituem a criminalização da docência, o controle e a censura nas escolas permanecem vivas.
E pra deixar a discussão mais conturbada, foi agendado na Câmara Federal, para quarta-feira (31), a votação do projeto de lei 7180/14, que institui a Escola Sem Partido. Porém, a sessão legislativa foi adiada, devido à pressão das manifestações organizadas por estudantes e educadores (as).
Neste mesmo dia, em Pernambuco, quatro sindicatos (Sintepe, Sinproja, Sinpmol e Simpere) reuniram-se com o Ministério Público do estado, a fim de denunciar a campanha feita pelo Movimento Pelas Crianças, que incentiva os (as) estudantes a constrangerem seus professores e professoras em sala de aula.
A ação das entidades sindicais surtiu efeito positivo, pois no final do dia, foi publicada uma recomendação, assinada pelo Ministério Público de Pernambuco em conjunto com o Ministério Público Federal, considerando todos os fatos denunciados e apurados, e orientando os órgãos educacionais que se “abstenham de qualquer atuação ou sanção arbitrária em relação a professores, com fundamento que represente violação aos princípios constitucionais e demais normas que regem a educação nacional, em especial quanto à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e ao pluralismo de idéias e de concepções ideológicas, adotando as medidas cabíveis e necessárias para que não haja nenhuma forma de assédio moral em face desses profissionais, por parte de estudantes, familiares ou responsáveis”.
Além disso, também circulou em grupos de Whatsapp, uma espécie de orientações para os (as) professores (as), que foram publicadas no site da agência de notícias, Pressenza, no caso de invasão de sala de aula e outros tipos de constrangimentos.
* Wallace Melo é professor, presidente do Comitê Municipal do PCdoB de Paulista, membro da CTB-PE, do Sinpro-PE e do Comitê Estadual do PCdoB-PE
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