Charge de Mário
Sob o olhar do fascismo: Educação na
mira do terror
Wallace Melo*
Na
primeira semana, após o resultado do segundo turno, o Brasil já percebeu as
consequências da propagação do ódio, da violência e da perseguição. Agressões a
minorias, tiros para o alto, vandalismo e destruição foram algumas das marcas
que ficaram depois que o país elegeu a presidência, o candidato Jair Bolsonaro
(PSL). Mas, nada estava tão ruim que não pudesse piorar.
Logo
na segunda feira (29), se espalhava pelas diversas regiões do país, as
mensagens proferidas pela recém-eleita deputada estadual de Santa Catarina, Ana
Caroline Campagnolo (PSL), que alertando as famílias e estudantes sobre a
possibilidade de doutrinação (sobretudo comunista) nos discursos dos
professores e professoras, nos dias posteriores ao processo eleitoral, solicita
que os (as) alunos (as) que presenciassem essas posturas dos (as) docentes,
filmassem e denunciassem a escola e o(a)educador, para que medidas sejam
tomadas contra o(a) profissional.
A
notícia repercutiu em todo o Brasil. Em Pernambuco, não tardou, e surgiu um
movimento que, reivindicando a defesa dos direitos das crianças, fez a mesma
solicitação para as famílias e estudantes recifenses, disponibilizando até
mesmo um contato para possíveis denúncias.
Com
absoluta certeza, o episódio chocou grande parte das diversas comunidades
escolares por todo país. Entidades nacionais em defesa da educação e dos
trabalhadores e trabalhadoras em educação se posicionaram, lamentando o
ocorrido e repudiando seus responsáveis. A Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação (CNTE) lançou uma nota de repúdio à deputada
catarinense, denunciando sua perseguição como uma afronta ao preceito da
liberdade de cátedra, que se materializa, tanto na Constituição Federal, quanto
na própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
Ainda
em nota, a CNTE recomendando que, os (as) professores (as) “que por
ventura sejam submetidos a essa excrecência: se alguém invadir uma aula sua,
garanta a presença de testemunhas; não permita gravações de ninguém, sob pena
de ferir o seu direito à imagem; e, por fim, contate imediatamente o seu
sindicato local para as medidas jurídicas apropriadas”.
Já
a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino
(CONTEE), também repudiou o fato, alertando o já conhecimento das práticas de
perseguição, censura e criminalização dos (as) professores, por parte de Ana
Caroline Campagnolo, que já protagonizou outros episódios de ataques a docentes
em seu estado.
De
acordo com a CONTEE, a publicação da deputada do PSL é “um desrespeito e
um ataque à Constituição da República, de 1988, e à Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, de 1996, que trazem em seu escopo a compreensão de que a
educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e
nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento
do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho. Trata-se de uma afronta ao princípio constitucional de que o ensino
deve ser ministrado com base na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e
divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; no pluralismo de ideias e
de concepções pedagógicas; e no respeito à liberdade e apreço à tolerância”.
Segundo
a professora de sociologia da Universidade de Brasília (UnB) Berenice
Bento, “é muito violenta essa atitude dela. Isso me lembrou os arapongas,
na época dos anos 70, na ditadura. Ela autoriza os estudantes a denunciar seus
próprios professores, mas denunciar com base em quê?”.
A
professora da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) Marlene de
Favere declarou que a publicação é inconsequente. “Ela incita a violência,
a coação a uma categoria profissional e não atribui para a livre expressão e
para o diálogo e o debate salutares em uma sociedade democrática”, disse.
Já
a presidente do Sindicato dos Professores de Itajaí, Adércia Bezerra, disse que
os professores estão perdendo sua liberdade e o diálogo dentro da sala de
aula. “Em muitas instituições de ensino, principalmente particulares, os
professores estão tendo que se posicionar anulando os conhecimentos a serem
passados para não influenciar”.
E
diante tantos depoimentos, reações e denúncias contra Ana Caroline Campagnolo,
o Ministério Público de Santa Catarina apresentou, na terça-feira (30), uma
ação judicial, solicitando a condenação de uma multa de R$70 mil por danos
morais coletivos. Valor que seria destinado ao Fundo para Infância e
Adolescência do estado. Segundo a promotoria, a futura parlamentar criou uma
espécie de canal e serviço de controle político e ideológico da atividade
docente de maneira ilegal.
Entretanto,
mesmo com tantas críticas, a ação de Ana Caroline, repercutiu em todo país, foi
reproduzida em outros estados e retomou o debate maior que se efetiva como
cenário para essa questão, a Escola Sem Partido. Faz um tempo que proposições
sobre a instituição de uma efetiva lei da Mordaça se apresentam nas diversas
casas legislativas brasileiras (Câmara de Vereadores, Assembleias Legislativas
e Congresso Nacional).
Contudo,
mesmo sendo considerada inconstitucional, pelo fato de colocar os(as)
professores(as) em constante estado de vigilância, impedir o pluralismo de
idéias e negar a liberdade de cátedra, as propostas ligadas ao projeto Escola
sem Partido, que instituem a criminalização da docência, o controle e a censura
nas escolas permanecem vivas.
E
pra deixar a discussão mais conturbada, foi agendado na Câmara Federal, para
quarta-feira (31), a votação do projeto de lei 7180/14, que institui a Escola
Sem Partido. Porém, a sessão legislativa foi adiada, devido à pressão das
manifestações organizadas por estudantes e educadores (as).
Neste
mesmo dia, em Pernambuco, quatro sindicatos (Sintepe, Sinproja, Sinpmol e
Simpere) reuniram-se com o Ministério Público do estado, a fim de denunciar a
campanha feita pelo Movimento Pelas Crianças, que incentiva os (as) estudantes
a constrangerem seus professores e professoras em sala de aula.
A
ação das entidades sindicais surtiu efeito positivo, pois no final do dia, foi
publicada uma recomendação, assinada pelo Ministério Público de Pernambuco em
conjunto com o Ministério Público Federal, considerando todos os fatos
denunciados e apurados, e orientando os órgãos educacionais que
se “abstenham de qualquer atuação ou sanção arbitrária em relação a
professores, com fundamento que represente violação aos princípios constitucionais
e demais normas que regem a educação nacional, em especial quanto à liberdade
de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e ao
pluralismo de idéias e de concepções ideológicas, adotando as medidas cabíveis
e necessárias para que não haja nenhuma forma de assédio moral em face desses
profissionais, por parte de estudantes, familiares ou responsáveis”.
Além
disso, também circulou em grupos de Whatsapp, uma espécie de orientações para
os (as) professores (as), que foram publicadas no site da agência de
notícias, Pressenza, no caso de invasão de sala de aula e outros tipos de
constrangimentos.
* Wallace Melo é professor, presidente
do Comitê Municipal do PCdoB de Paulista, membro da CTB-PE, do Sinpro-PE e do
Comitê Estadual do PCdoB-PE
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