O machinho
Janio de Freitas, em sua
coluna na Folha de S. Paulo
O Bolsonaro
que vemos nestes dias é o mesmo valentão que, ao se ver abordado por um
assaltante, sacou sua fulminante pistola Glock —e entregou-a ao bandido. Mas
não só. Entregou também a moto. Bateu o medo então, bate o medo hoje. O
Bolsonaro que voltam a ver em transformação, aceitando a
máscara e propagando a vacina, é só o Bolsonaro acovardado. Com
citações à derrubada até na celebração do próprio
aniversário, que indicam onde e como está sua cabeça.
À falta de
arma para entregar, servem os pescoços dos mais próximos paus-mandados. Eduardo
Pazuello acha que foi degolado por pressão de Arthur Lira,
presidente da Câmara desejoso de ver no cargo uma amiga do peito, ou
cardiologista. O general obediente, na verdade, foi vítima da Carta Aberta em
que economistas, banqueiros e outros empresários mostraram sua delicada
discordância com o consentimento do governo à mortandade pandêmica. A chegada às 300
mil pareceu suficiente a ex ou ainda bolsonaristas para
merecer-lhes algumas sugestões suaves.
O noticiário
exibiu e falou de um Bolsonaro apressado para dizer-se, na TV, sempre adepto e
praticante das providências mencionadas na carta. Mentiu como
nos melhores momentos do seu cinismo.
Bolsonaro
tinha mais do que pressa, aliás. Tinha pânico desde que soube da carta. Ao
Congresso chegaram informações sobre seu estado, e isso se refletiu no passo
vindouro: a reunião para constituir-se um pretenso comitê dos Três Poderes
contra a pandemia. Não adiantou que só se selecionassem simpatias para o
encontro: não deu para disfarçar o fracasso. Mas deu para comprovar o grau de
desorientação vigente.
À
impropriedade do convite que lhe foi feito, o presidente do Supremo, Luiz Fux,
sobrepôs uma aceitação, embora efêmera, que embaralhava Executivo e Judiciário,
em função estrita do primeiro. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, aceitou
assumir uma coordenadoria que não lhe compete, para a qual não tem o saber
científico conveniente, e nem se deu conta do que é o comitê desejado pelo
grupo do Planalto: algo que lhe sirva de bode expiatório ou de laranja,
conforme as circunstâncias. Como a função dada ao vice Mourão para a Amazônia.
O presidente
da Câmara, Arthur Lira, parece desejoso de esculpir nova personalidade
política. Não há comparação sua com o antecessor, mas o crescimento de Rodrigo
Maia, no mesmo cargo, é um exemplo estimulante. Lira não amenizou discordâncias
na reunião e, ainda por cima, guardou a melhor surpresa para pouco depois. Ao
voltar à Câmara, fez um discurso
sobre a situação e suas propensões. Lançou-se às mais agudas
considerações feitas fora do exasperado jornalismo, e por uns poucos políticos.
Não faltou lembrar nem “a solução amarga, e até fatal”, que é o impeachment ao
alcance da Câmara.
Com isso, lá
se vai a doidice mais simpática e de conceitos mais engraçados no governo. Vai
para apaziguar críticos parlamentares. Até um militar já se foi, o coronel
Elcio Franco, segundo na caótica hierarquia militar do Ministério da Saúde. Ao
general Braga, por exemplo, convém fugir de correntes de ar no Planalto. Quase
qualquer um pode servir para Bolsonaro entregar os sucedâneos humanos de sua
Glock e da moto.
Ainda que não
seja o mais desejado, pode-se esperar por fatos até mais interessantes para
daqui a pouco.
O
continuísta
Do novo
ministro da Saúde: “Quem quer o
lockdown? Ninguém quer lockdown”. É a nova voz de Bolsonaro e
Pazuello, portanto. Marcelo Queiroga ainda não conhece os resultados europeus e
asiáticos do confinamento. Mas poderia ter deduzido, com menos bolsonarismo a
orientá-lo, que, se as pessoas não se oferecem ao vírus nas ruas e outras
proximidades humanas, o bicho não tem como infectá-las.
O
nosso lugar
Brasil: mais
de 300 mil mortos, é muito difícil imaginar essa quantidade. Quase
7.000 na espera desesperada de um leito em UTI. No estado da
riqueza, três mortos asfixiados por falta de oxigênio. E quatro na fila do
último sopro de vida. No Distrito Federal da presunçosa e riquíssima Brasília,
corpos mortos esperam a remoção, alguns por 24 horas, no chão de unidades de
saúde e de hospital regional.
Vai piorar,
advertem cientistas brasileiros e estrangeiros. Até quando o país tolerará a
omissão das classes e dos políticos que controlam o país, eis a incógnita.
Transcrição,
em Toda Mídia por Nelson de Sá, de frase em reportagem sobre a pandemia na rede
pública de rádio dos EUA: “O Brasil parece
o pior lugar do mundo”.
Veja: No Brasil de hoje
tudo é instável e imprevisível
https://bit.ly/3eLGZj1
Nenhum comentário:
Postar um comentário