26 julho 2021

Palavra de poeta: Chico de Assis

Estratégia frustrada

Chico de Assis*

 

Nossa estratégia política, na luta contra a ditadura civil-militar de 64, previa como etapa final das lutas populares – estruturadas e articuladas com os diversos braços armados da guerrilha nas áreas rurais -, o momento em que cercaríamos as forças inimigas e as levaríamos ao aniquilamento. 

Ocorreu, contudo, um movimento num sentido inverso. Antes que pudéssemos ter qualquer sinal, por mais embrionário, de realização da estratégia definida, o inimigo se reorganizou, desencadeou um processo de violência inusitado e por nós até então desconhecido, e o que se assistiu foi a promoção real de um cerco e aniquilamento. 

Só que, ao contrário do que prevíamos, os cercados e aniquilados fomos nós. Como tenta expressar o poema:

CERCO E ANIQUILAMENTO

Em torno de mim
os companheiros acordaram
pelo avesso.
Perderam o sono 
nesse íntimo estar 
com suas vísceras:
tentam o retorno.
 
Atrás de mim
o abismo das origens.
Inútil alquimia
percorrer ruas
remover detritos
dissecar corpos.
 
Não há liames nem pontes 
nem túneis nem confluências.
Alguma estrada vem dar no pântano.
Algum valor aderiu ao vácuo.
No entanto dentro de mim
nenhuma síntese sustou 
o círculo das análises.
 
(Síntese: tive-a nas mãos
mas deixei-a escapar 
entre torturas e gritos).

*Poeta, ex-preso político

Ilustração: Pablo Picasso

3 comentários:

Regina Elza Solitrenick disse...

É apesar do choro,dos gritos navtoetira,sobrevivemos. Sem desistir da busca. Sintese?
Lutar. Acreditar que tudo grave quiçá nossos netos vivam nossos sonhos concretizados

Regina Elza Solitrenick disse...

Sobrevivemos. Gritos,choro,for da é na tortura. Não desistimos e não desistiremos. Se não concretizados a síntese possível,quiçá nossos netos vivam nossos sonhos de paz,justiça para todos
Como disse Marighell,a "única luta que perdemos é a que abandonamos".

Unknown disse...

Muito bom Chico 👏👏👏👏