Presente e futuro na luta cotidiana: a reforma
urbana, por exemplo
Luciano Siqueira* instagram.com/lucianosiqueira65
Na concepção leninista, a tática é a estratégia no horizonte político visível. Em outras palavras, a luta no tempo presente só se faz consequente quando acumula forças tendo em vista o objetivo estratégico.
O Programa Socialista para o
Brasil, do PCdoB (1), traduz esse conceito ao reafirmar o socialismo como
projeto estratégico e a luta por um conjunto de reformas estruturais — nenhuma
delas de caráter socialista, diga-se —, enfeixadas como Novo Projeto Nacional de
Desenvolvimento, como meio de acúmulo de forças.
Demandam luta prolongada e renhida, mediante a qual será possível, a partir
de vitórias expressivas, elevar o padrão de vida material e espiritual do povo
e o seu nível de consciência e de organização, permitindo-o vislumbrar o
socialismo como necessidade.
Desde que assim concebido, no 12⁰ Congresso partidário, em 2009, o
programa tem suscitado muitas abordagens teóricas e práticas, conforme diferentes
conjunturas políticas, tanto quanto a possibilidade concreta de se pugnar pelas
reformas pretendidas é mediada pela correlação de forças, favorável ou
desfavorável.
Reforma urbana
Tomemos como referência a luta pela reforma urbana, que conjuntamente
com as reformas política, educacional, tributária, agrária, dos meios de
comunicação e o fortalecimento do Sistema Único de Saúde, dá conteúdo ao denominado
Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento.
Em situações adversas, obviamente, a consecução de tais reformas se
mostra mais difícil no tempo e no espaço. O que não deve implicar em “arquivá-las”
temporariamente, como aparentemente acontece na atual cena política do país.
Muito sintomático que ao tomarem posse em 1 janeiro último, nenhum
prefeito de capital ou de cidades de grande porte, filiados a partidos de
esquerda ou progressistas, tenha sequer se referido ao planejamento urbano, dando
ênfase apenas a iniciativas imediatas relacionadas com serviços públicos
considerados essenciais.
O que parece refletir uma espécie de defensivo politico imediatista,
reflexo da atual situação, sob muitos aspectos adversa, em plano nacional e
local.
Entretanto, no tempo presente, problemas estruturais das cidades grandes
e médias e dos conglomerados que as cercam a partir de polos mais dinâmicos – regiões
metropolitanas - têm se agravado.
Mas a abordagem de tais problemas neste patamar esteve praticamente
ausente no debate eleitoral recente, mesmo quando correntes democráticas e de
esquerda tiveram participação ativa na disputa e alcançaram êxito.
Numa dimensão nacional, o atual governo Lula, apoiado em ampla frente
democrática e progressista, tem suas pretensões a uma “reconstrução nacional”
represadas mediante pesada e constante pressão oposicionista, onde pontificam a
maioria conservadora e de extrema direita na Câmara dos Deputados e no Senado e
o complexo midiático dominante, essencialmente comprometido com o capital
financeiro e o agronegócio exportador.
Uma luta necessária e
oportuna
Nesse contexto, a mobilização social se impõe como imprescindível e, nas
cidades, há que se inspirar, sobretudo, no ideário da reforma urbana.
É
óbvia a estreita relação entre o padrão de vida na cidade e a natureza do
desenvolvimento do país. Em apenas cinco décadas, o país se tornou
essencialmente urbano, quando se processou extraordinária inversão da relação
entre a população rural e a urbana, na esteira da industrialização deflagrada
no final da década de 20 e início dos anos 30, combinadamente com a inexistência
de uma reforma agrária distributiva – ambos motivos da gigantesca transferência
de populações da área rural para as cidades.
No
início dos anos 40 do século passado residia nas cidades apenas 31% da população;
mas já por volta dos anos 80, 75% ocupava as áreas urbanas. Em 2000, a população
considerada urbana já perfazia 82% a população do país, segundo o IBGE.
Ocupação
do território urbano feita predominantemente de modo desordenado e desigual,
espelho do capitalismo de tipo dependente, precocemente monopolizado, concentrador
da produção, da renda e da riqueza e socialmente excludente que marca a
sociedade brasileira.
Assim, no
contexto da resistência ao neoliberalismo – peleja cotidiana que trava o
governo Lula e parte das forças integrantes da coalizão governista – reformas estruturais
seguem como bandeiras necessárias, ainda que dimensionadas realisticamente nas atuais circunstâncias.
Experiência das últimas décadas
Vale mencionar
que as “reformas de base” pretendidas desde o início dos anos 60 – razão, inclusive,
do golpe civil-militar de 1964 – permaneceram não apenas necessárias como nunca
deixaram de integrar o ideário progressista.
Na prática,
seguiram abordadas paulatinamente, conforme as circunstâncias. Jamais deixadas “para
depois”.
É o que a
experiência dos movimentos sociais urbanos demonstrou mesmo durante os vinte e
um anos de ditadura militar.
Do Seminário
Nacional de Habitação e Reforma Urbana, realizado em 1963, no Hotel Quitandinha,
em Petrópolis – uma espécie de ponto de partida da luta pela reforma urbana –
passando pelo regime militar, quando se esboça, nos anos setenta, através do
movimento comunitário por moradia, regularização de loteamentos clandestinos, acesso
aos serviços de educação e saúde, e a implantação de infraestrutura nas áreas de ocupação; e, nos anos
oitenta, no âmbito da Assembleia Nacional Constituinte, a instauração do
Movimento Nacional pela Reforma Urbana e no primeiro governo Lula a criação do Ministério
das Cidades.
Entrementes,
a conquista da Lei 6766,
que regula o parcelamento do solo e criminaliza o loteador irregular; e a adoção
dos artigos
182 e 183 e, em 2001, com a promulgação do Estatuto da Cidade (Lei Nº 257,
de 10 de julho de 2001).
O Estatuto da Cidade (2) consigna
o
"direito urbanístico" (art. 24, I), a "política urbana"
(arts. 182 e 183); estabelece "função social" da propriedade urbana e
define a obrigatoriedade do Plano Diretor como a concretização desses princípios.
Ou seja, põe nas mãos do
governo local uma gama de instrumentos legais que possibilitam a gestão democrática
do território. E nas mãos do movimento popular, uma agenda densa, mobilizadora e
sempre atual.
Evidente que isto depende não
apenas do contexto político nacional, mas igualmente da correlação de forças em
plano local – envolvendo o governo, a Câmara Municipal e as forças sociais
ativas.
De tal modo que, mesmo quando
predominam correntes conservadoras, é possível, por exemplo, explorar a
oportunidade da iniciativa popular na formulação de leis, audiências públicas
para exame do Plano Diretor e da Lei Orçamentária, as Conferências e Conselhos setoriais.
Nada fácil, óbvio. Vários dispositivos
do Estatuto da Cidade – como o EIV (Estudo de Impacto de Vizinhança), por exemplo
- dependem, para sua plena observância prática, de regulamentação pela Câmara
dos Vereadores, a partir de proposição do Executivo (3).
Ou seja, tudo demanda
mobilização social e política – e, portanto, luta concreta no sentido do acúmulo
de forças mirando o novo projeto de nação.
Situações momentaneamente adversas sempre foram frequentes como
componentes irremediáveis do transcurso de lutas políticas de longo alcance.
Porém jamais podem ser tomadas como razão para o abandono, mesmo temporário, de
bandeiras de luta avançadas.
Referências
(1 (1) Programa Socialista
para o Brasil – o fortalecimento da nação é o caminho, o socialismo é o rumo.
(2 (2)Rolnik, Raquel: Estatuto
da Cidade – instrumento para as cidades que sonham crescer com justiça e beleza
(3 (3) Maricato, Ermínia: "Reforma Urbana: Limites e Possibilidades.
Uma Trajetória Incompleta".
*Ex-vice-prefeito do Recife
por quatro mandatos, membro do Comitê Central do PCdoB
Leia também: "Mergulhar fundo para avançar na superfície" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/11/meu-artigo-no-portal-da-fundacao.html
Um comentário:
Falta uma política de Estado. O.msxo que vemos são políticas de governos, quase sempre com fins eleitorais e não estrutura dores nem voltados só bem estar coletivo Audisio
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