20 abril 2007

A fina ironia de Veríssimo

No Diário de Pernambuco:
Efeito salutar
Luís Fernando Veríssimo

Não se sabe se a elite vai para a cadeia nos países desenvolvidos porque as cadeias são melhores ou se as cadeias são melhores porque a elite as freqüenta. Mas um dos efeitos desse novo ímpeto da Polícia Federal de prender suspeito de corrupção não importa o título ou o saldo bancário pode ser uma melhoria, finalmente, do vergonhoso sistema carcerário brasileiro. Haveria um sensível aprimoramento de instalações e serviços nas nossas prisões com a qualificação da sua população. É só o ímpeto continuar.

Não seria nem demais pensar que no futuro houvesse um sistema de cotações - cinco estrelas para prisões com celas executivas, por exemplo - e a possibilidade de o condenado escolher sua penitenciária na hora da sentença, o que asseguraria o funcionamento do sistema em bases empresariais. As empresas teriam interesse dobrado em investir em boas penitenciárias, as empreiteiras em construí-las e as financeiras em financiá-las, para garantir sua participação num novo e lucrativo mercado e porque a qualquer hora um dos seus dirigentes poderia estar ocupando uma cobertura.

O novo e saudável hábito pode ter desdobramentos inesperados. O inevitável progresso dos serviços penitenciários serviria como incentivo para confissões voluntárias. Acabariam as lutas jurídicas, a indústria de liminares e a proliferação de "habeas corpus", desafogando o nosso sistema judiciário, já que muitos acusados prefeririam reconhecer sua culpa e ir logo para a cadeia, escolhendo a que tivesse sauna, clube de lazer ou ginásio e vista, ou de acordo com a programação da TV a cabo.

Conhecendo-se o mercado de imóveis no Brasil, é claro que haveria o risco das construções de luxo excluírem as construções de prisões populares e dos criminosos comuns ficarem sem cadeia, o que aumentaria a insegurança nas ruas. Mas dentro dos muros de penitenciárias modernas e confortáveis, a elite brasileira viveria o seu sonho de segurança total: guardas 24 horas por dia e o convívio exclusivo dos seus pares.

Um comentário:

Anônimo disse...

L. F. Veríssimo faz uma crítica mordaz e literariamente impecável. uma lição de cidadania. Parabéns pela transcrição.
Jorge Luis, João Pessoa