27 maio 2007

Zeh Rocha e suas fontes de inspiração


No Overmundo:
ECOS SONOROS,
ECOS SONOROS,
INFÂNCIA EM RECIFE
Por Zeh Rocha

Da minha infância se eternizam marcas bem profundas dentro de mim, que se refletem na minha música. Compactando estas marcas, que são fatos, pessoas, imagens, sentimentos ,em meu produto musical fica evidente que preservo valor espiritual da maior importância para todos : A gratuidade da vida com o espaço sagrado da liberdade e dos afetos.

Em tudo que vivencio, imagino, crio existe o valor da liberdade e do afeto. Os sons da minha infância ainda ecoam em minha mente. Lembro dos sons dos pregões, dos vendedores ambulantes de algodão doce, japonês, pipoca, vasculhador, peneira e panela, de Zé da Praça, um louco varrido , que limpava toda a sujeira da rua, correndo atrás pra dar porrada em que lhe assim lhe chamasse; dos caboclos de lança com seus chocalhos badalando ,enquanto corriam pra nos assustar com suas evoluções e loas guturais.

Lembro das bandas marciais nos desfiles de sete de setembro, quando meu pai insistentemente me fazia ir assistí-los,dos bordados de violões de sete cordas nas serenatas na casa do vizinha, dona Cila, da voz suave de Nat King Cole, Agostinho dos Santos, dos metais da orquestra de Ray Coniff, vindo dos discos vinis na vitrola ABC , na casa de minha avó, em Olinda.

Na Marim dos Caetés, foi importante vivenciar o carnaval, com suas cores, ritmos, imagens inusitadas, e principalmente , o som das orquestras de frevo, dos batuques das alfaias, dos elus no terreiro de Pai Edu, Tatá Raminho de Oxossi, das escolas de samba, os taróis e surdos, tamborins.

Esta fonte da música popular pernambucana impregnou meu espírito de tal forma,que até hoje, ouço com muita clareza em minha memória toda esta sonoridade impressa na minha partitura interior,o que até hoje e sempre há de sustentar a minha pequena e modesta vida e ofício de compositor.

Sinto que a essência nutriente da minha musicalidade está naquilo que eu ouvi e retive no meu inconsciente sem perceber, ou seja, a matéria sonora que nos é reservada para a criação, nosso arquivo inconsciente, adquirido em outras vidas e ou, por influências espirituais, boas ou más, mas, que filtramos de forma seletiva e estética.

Estamos ouvindo sem percebermos milhões de informações que nos chegam através do cérebro, mas, que ordenamos, catalogamos, arquivamos , e transmitimos a quem nos ouve, devolvemos ao Universo, a Deus, aquilo que herdamos espiritualmente, faz parte deste nosso corpo terreno, com seus limites de percepção e comunicação.

Por outro lado, a livre escolha musical é um processo consciente, deliberado por nossa sensibilidade, o prazer no ato de selecionar sons que nos afinam a alma, nos deleitam os sentidos da audição.

Este momento único, mágico,lúdico, feliz aprisionamos a energia que nos eleva, o som nos conforta, a imagem e os signos que nos libertam, paradoxalmente.

Dificilmente, um ser humano, compositor, criador de canções , sinfonias deixará de lado estas marcas, sinais, símbolos, sensações, sentimentos, imagens, sons apreendidos por sua alma durante a infância.

Para mim, este ouvir inconsciente me deu o prumo, o rumo do meu criar artístico, especificamente na música e na literatura, no parto das minhas canções, aonde som e verso são fios de um tecido original do meu tear; a minha capacidade criadora, dom abençoado por Deus.

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