28 novembro 2007

Bom dia, Cyl Gallindo



Delírio

Ando pelas ruas tendo vertigens.
Veementes delírios:
Rodam as casas,
as ruas unem seus vértices,
as pessoas voam
como papagaios de papel.

E os mendigos ficam mais altos,
aqueles que confidenciam o corpo ao chão.

Mantêm-se acima dos edifícios,
deitados no ar.
Seus corpos vazios,
suas almas vazias...(?)
Deitados naqueles edredões
de roupas velhas
recheados de poeiras.

Um manto listrado
(de vermelho e branco)
vem cobrindo o céu.
Outras estrelas
comem as estrelas do meu céu.

- Eu tenho céu?

- No meu delírio fica abaixo da terra,
ou na flor da terra,
ou no papo dos urubus.

Destes urubus que enfeitam o céu!

Lá está meu céu,
e de milhões de irmãos,
voando aos pedacinhos,
sob o manto,
vermelho e branco,
que lhes dá a festa.
Festa de minha fome,
da minha própria carniça!

Já comeram o Cruzeiro
e as Três Marias
(e tantas Marias e tantos Joãos)
e todas as estrelas inferiores
à ordem e progresso.

Só se mantém viva a Espiga,
desvirginada por Ursa Maior.
Essas estrelas não entram no céu,
porque camelo não passa em fundo de agulha.

Só entram os mendigos:
Os que não comem,
os que não vestem,
dormem no chão
e não se revoltam.

Suas almas vão aos céus:
esfaceladas,
aos pedacinhos,
nos vôos dos urubus,
que estão no céu
voando, voando...

Talvez meu delírio
seja o caminho desse céu!

(Rio de Janeiro, 1964)

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