Luciano
Siqueira
O
verdadeiro sábio nunca diz que sabe. Li isso em algum lugar ainda na
adolescência.
E
sempre tive como uma referência.
Mais
ainda para mim mesmo, que em minha timidez jamais vencida nunca me arvoro em
dizer que sei das coisas, mesmo quando de fato sei...
No
curso médico da antiga Faculdade de Medicina da UFPE, convivi com um colega que
nos irritava a todos com a sua obsessão pelas notas máximas. Quando não fosse
dez, que atingisse 9 e meio ou nove. Abaixo disso, jamais!
-
Quero ser o laureado da turma, dizia.
Chegava
a perder o controle emocional quando, por raríssimas ocasiões, em alguma prova,
escrita ou oral ou prática, atingisse algo em torno de 8 e 9.
Estudava
antes as matérias programadas e mal o professor iniciava sua exposição se
antecipava em dizer “isso já sei”.
Muitos
de nós também nos antecipávamos às aulas, mas nenhum tinha essa petulância.
-
La vem nosso “Dr. Isso já sei”, me dizia em voz baixa meu amigo-irmão Zé Carlos
Souto (já falecido, competente psiquiatra) quando via o dito cujo nos corredores
do velho Hospital Pedro II.
Depois
percebi que diante de um paciente o “Dr. Isso já sei” mal sabia se conduzir. Impaciente
na anamnese, impreciso no exame físico, sobretudo na ausculta cardíaca.
Ou
seja: na ânsia de cumprir bem a tabela, acertar as questões nas provas, pouco
se dedicava à propedêutica e à compreensão da complexidade das patologias com
as quais lidávamos no ambulatório ou nas enfermarias.
Faltava-lhe
uma qualidade essencial ao bom médico: olhar o paciente nos olhos, ouvi-lo com
atenção, examiná-lo com perícia.
Os
anos passaram, o perdi de vista.
Até
que um dia o encontrei no Aeroporto de Guarulhos, junto com outro colega da época.
-
Quanto tempo, Luciano! A gente tem notícias suas pelos jornais...
-
Prazer enorme rever vocês.
-
Pois é. Lembra do nosso colega que tudo sabia?, enquanto o próprio se dirigia a
uma lanchonete em busca de um cafezinho para os três.
Arrisquei
o comentário:
-
Passaram-se tantos anos, nosso amigo aí já baixou a bola?
-
Nunca! Pegou o vício e em tudo por tudo mal nos ouve e sempre acha que sabe
tudo! Trabalhamos juntos.
-
Sabe muito, então.
-
Para ser sincero, acho que sabe a teoria, mas na prática continua inseguro e
confuso. É péssimo em diagnostico diferencial.
Tomamos
o cafezinho conversando sobre futebol, os dois apaixonados pelo Sport, eu um
tímido adepto do Náutico, habituado a perder.
Nada
mais se falou do passado, nem da medicina.
Seguimos
voos distintos.
Guardei
na memória que o colega que pensava saber tudo ainda hoje sabe pouco ou quase
nada. A presunção o impede de ouvir. E quem não ouve, nada sabe.
Um toque
de leveza e bom humor https://bit.ly/2XgnENa
Nenhum comentário:
Postar um comentário