Fim do auxílio emergencial levará 1/3 do país à pobreza
Em cenário otimista, o equivalente à metade da
Venezuela passará a viver com menos de R$ 522,50 ao mês
Fernando Ganzian, Folha de S. Paulo
Em um
cenário considerado otimista, o Brasil ampliará em cerca de 16 milhões o total
de pessoas consideradas pobres quando o auxílio emergencial pago
aos mais vulneráveis terminar, no final de 2020.
Equivalente à metade da
população da Venezuela, esse contingente de “novos pobres” ampliará para quase
um terço os brasileiros que passarão a viver com
menos de R$ 522,50 ao mês, em média. O valor representa menos de
meio salário mínimo e cerca de US$ 3 ao dia.
O pagamento do auxílio emergencial
durante a pandemia do coronavírus a mais de 65 milhões de
brasileiros reduziu de forma inédita e abrupta a pobreza no país, trazendo-a ao
seu menor patamar.
O fim do benefício terá o
efeito contrário —e rápido. A interrupção dos pagamentos aumentará o total de
pobres de 23,6% (50,1 milhões de pessoas) para cerca de 31% (66,2 milhões).
Nesta
hipótese mais otimista, considerada muito improvável, o Brasil voltaria, em
termos de pobreza, ao mesmo patamar de antes da pandemia, segundo projeções da
FGV Social a partir dos microdados da PnadC (Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua) e da PNAD Covid, do IBGE.
O cenário não parece factível por dois motivos principais: durante a pandemia,
foram os empregos mais precários,
sobretudo no setor de serviços, os que mais sofreram por causa do isolamento
social; e a renda dos mais pobres já havia sido a mais afetada.
No segundo trimestre deste
ano, que pegou totalmente os efeitos do isolamento social e da paralisação econômica,
a renda média dos
brasileiros caiu 20%. Mas a dos 50% mais pobres despencou 28%.
Quando o auxílio
emergencial começou a ser implementado, em abril, milhões de brasileiros
tiveram um súbito aumento de renda, o que fez cair rapidamente a taxa de
pobreza.
“Enquanto o país vivia numa
espécie de inferno trabalhista, abriu-se um céu em termos de melhora na renda”,
afirma Marcelo Neri, diretor da FGV Social.
Esse paradoxo vem sendo
desmontado desde que o valor do auxílio emergencial foi reduzido de R$ 600 ao
mês para R$ 300; e chegará ao fim em dezembro, quando o benefício for
interrompido.
Mesmo que o governo Jair Bolsonaro supere as imensas dificuldades que tem se apresentado para criar um programa de ajuda aos mais pobres a partir de 2021, seu substituto deverá ser muito mais modesto que o auxílio emergencial.
Nos
cálculos da FGV Social, os valores desembolsados durante os nove meses em que o
auxílio terá existido —nas versões de R$ 600 e R$ 300— serão equivalentes a
nove anos de orçamento do Bolsa Família.
“Em qualquer hipótese, os
valores de um novo programa de ajuda serão irrisórios em comparação ao auxílio
emergencial”, diz Neri.
Assim como ocorreu com sua
redução, o aumento da pobreza deve afetar mais as regiões Nordeste e
Norte, justamente onde a popularidade de Bolsonaro cresceu com o pagamento do
auxílio emergencial.
Para que a pobreza não
aumente tanto, a economia e o emprego teriam de passar por uma recuperação
muito forte, com impactos positivos sobre a renda, algo fora da maioria das
previsões.
A expectativa do mercado é
que o PIB (Produto Interno Bruto) em 2021 cresça cerca de 3,5%, numa
recuperação que sequer compensará o tombo de 5% previstos para este ano.
Já as previsões para o emprego
são bastante pessimistas, com a taxa de desocupação oscilando entre 17% e 19%
no início do ano que vem.
No final de 2019, o
desemprego estava em 11,9% e, durante a pandemia, aumentou justamente entre os
informais e as pessoas de menor renda —mais propensas a engrossar as
estatísticas de pobreza.
A partir de 2021, muitas
empresas que participaram do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da
Renda, que permitiu a redução da jornada de trabalho e dos salários, também
estarão livres do prazo de carência para realizar demissões —o que dependerá do
ritmo da economia.
Para Naercio Menezes,
pesquisador do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper, outra incógnita
no mercado de trabalho pós-pandemia é se as mudanças provocadas pelo isolamento
social serão estruturais.
O fato de
menos pessoas estarem circulando pelas cidades com a massificação do trabalho
remoto na pandemia prejudica, por exemplo, uma série de atividade informais,
como a de ambulantes; e formais, como a de pessoal de manutenção de edifícios
comerciais.
Menezes considera difícil o
governo federal não criar algum tipo de auxílio para os mais pobres em 2021.
“Não parece razoável que uma parcela significativa dos domicílios no país tenha
renda zero. É uma situação muito grave”, diz.
Depois de aventar várias
possibilidades, o governo Bolsonaro agora parece ter deixado para depois das
eleições, no final de novembro, a definição sobre as fontes de financiamento de
um novo Renda Cidadã ou de um Bolsa Família reforçado.
“O nó é que, enquanto a
pobreza tende a decolar, o Brasil já gastou quase todo seu ‘combustível' na
pandemia, fechando o ano com uma dívida pública de quase 100% do PIB, o que é
muito preocupante”, diz Marcelo Neri, da FGV Social.
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