Quase metade dos empregos no país é de baixa qualidade, indica estudo
Valor Econômico
Quase a metade dos empregos existentes no país são de qualidade ruim, com salários baixos, instabilidade ou jornada excessiva, o correspondente a 40,8 milhões de ocupações (45,5% do total), mostra estudo da consultoria IDados, obtido pelo Valor.
O economista
Bruno Ottoni, pesquisador do IDados, diz que o estudo avalia a qualidade do
emprego para além dos salários, com base em literatura internacional surgida
nos últimos anos. A ideia é sintetizar múltiplos fatores em um indicador.
“Existe um problema estrutural que limita a oferta de boas vagas no Brasil: a
baixa produtividade de trabalhadores, reflexo do pouco investimento em
educação. Isso dificultaria que setores mais dinâmicos cresçam e gerem muitos
empregos no país”, afirma ele.
A proporção
de empregos de qualidade é pior do que a registrada, por exemplo, na média de
34 países europeus acompanhados pelo Eurofound, agência da União Europeia. Essa
agência calculou que 20,2% das ocupações da região têm qualidade ruim.
Outro estudo
com metodologia semelhante, aplicado para a América Central, mostra que o
Brasil está em níveis parecidos ao de países como Honduras (41,6%) e Nicarágua
(43,3%) e bem pior do que Costa Rica (18,8%) e Panamá (29%), por exemplo. Para
chegar aos números sobre o Brasil, a consultoria baseou-se em indicadores da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua, do IBGE, de 2017. A
ideia era olhar o mercado de trabalho sem as recentes distorções gerada pela
pandemia.
O principal
fator para a má qualidade do emprego no Brasil está no salário. O estudo mostra
que 77,7% das ocupações remuneram insuficientemente para adquirir seis cestas
básicas, critério de corte adotado. Cada cesta custa pouco mais de R$ 500. Logo
após os salários, a falta de estabilidade pesa para a baixa qualidade das
ocupações no país. Cerca 40% dos trabalhadores estavam no emprego havia menos
de 36 meses, o que evidenciaria uma rotatividade excessiva da força de
trabalho. Outro fator para a baixa qualidade do emprego é a seguridade. Do
total de ocupados, 35,7% não contribuem para a Previdência Social, tornando-se
desprotegidos de direitos trabalhistas, como os auxílios (doença, acidente e
aposentadoria).
Por fim,
pesa negativamente a jornada de trabalho superior a 48 horas semanais, emprego
sem carteira assinada ou trabalhador por conta própria sem ensino superior. Os
aspectos são reunidos em pontos e levam ao número final. Ottoni lembra que a
qualidade dos empregos contribui de forma significativa para o bem-estar.
Nos EUA,
antes da pandemia, a taxa de desemprego estava nas mínimas em 50 anos, abaixo
de 4%. Mesmo assim, a insatisfação dos americanos era grande. “A baixa
qualidade do emprego nos Estados Unidos foi um dos fatores por trás da eleição
de Donald Trump para a presidência do país”, diz o economista. “Por isso, o
indicador da qualidade do emprego agrega para a análise do mercado de
trabalho.” Uma abertura mais detalhada dos resultados mostra que Brasília
(36,1%), Santa Catarina (41%) e Rio de Janeiro (41,3%) têm, proporcionalmente,
menos empregos de qualidade ruim, o que seria explicado pelo ampla presença de
empregos públicos.
Como avalia
a qualidade dos empregos existentes, o estudo não considera estatísticas de
desemprego. O Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, embora bem colocado no
ranking da qualidade do emprego, tinha a quarta pior taxa de desemprego do
país, de 15,1%. “É uma situação inversa ao exemplo dos EUA.
O indicador
de qualidade do emprego deve ser visto, assim, de forma complementar a outros
dados do mercado de trabalho, como a taxa de desemprego fluminense”, acrescenta
Ottoni. O Estado de São Paulo tinha 43% dos trabalhadores em ocupações de
qualidade ruim, nono da lista. Em termos absolutos, São Paulo tinha o maior número
de trabalhadores em empregos piores (9,3 milhões) e melhores (21,6 milhões), de
acordo com a pesquisa. Os piores indicadores estão no Ceará e no Pará, Estados
nos quais mais da metade dos trabalhadores ocupados está em posições ruins, com
52% e 50,1%, respectivamente. São Estados, em geral, com elevada taxa de
informalidade na economia.
Durante a
pandemia, o mais provável é que o indicador de qualidade do emprego tenha
melhorado de forma artificial no país, já que as ocupações informais foram as
mais afetadas. Distorções assim também aparecem em outros indicadores do
mercado de trabalho, como a renda e a produtividade do trabalho. Na avaliação
de Ottoni, uma saída para melhorar os indicadores seria incentivar a geração de
empregos formais. Ele afirma que as empresas formais e mais produtivas são
muito taxadas, o que dificulta o crescimento delas e a geração de vagas de
melhor qualidade no país. “O crescimento econômico também permitiria gerar mais
empregos, com qualidade. Ajudaria se as reformas fossem adiante, mas as pautas
não avançaram porque o governo não entra na discussão séria, não pega pontos
difíceis e negocia”, afirma o pesquisador do IDados.
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