Onça, câncer e comunismo*
Luciano Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65
Onça e câncer: duas palavras que me metiam medo no iniciozinho da infância. Minha mãe sempre se referia ao bicho (e seus assemelhados leão e outros) incutindo receio: “é um perigo se uma onça se soltar no circo; leão, pior ainda!”, comentava, como se uma ameaça descesse sobre a cabeça de crianças, como seus filhos pequenos, fascinados pela magia circense.
Câncer, tal como tuberculose, ela pronunciava
bem baixinho. Do mesmo jeito que se referia ao morador de nossa rua, na Lagoa
Seca, Natal, João Batista Galvão, ex-ministro de Viação do breve governo
revolucionário instalado na cidade, na insurreição de 1935: “ele é comunista”.
O temor aos bichos selvagens se devia à absoluta
falta de intimidade com o mato, vivente urbana que era e de onde nunca saía.
Quanto ao comunismo, naqueles idos dos anos
cinquenta, ainda se pregavam cartazes com propaganda contra a URSS e uma
suposta ameaça vermelha sobre o Brasil. Lembro-me de um deles, que ostentava um
feitor de chicote à mão, observando trabalhadores rurais na colheita do trigo,
e a frase terrível: “Assim se trabalha na União Soviética”.
Pois bem. Anos atrás os jornais divulgaram que a
onça preta Jabuticaba, do Parque Dois Irmãos, faleceu em consequência de um
câncer na cavidade oral, deixando órfãos dois filhotes com os quais vivia no
setor dos felinos do Zoológico do Recife.
A notícia dava detalhes. Jabuticaba se submetera
a uma tomografia computadorizada mediante cooperação com a Universidade Federal
Rural de Pernambuco (UFRPE). Apesar do tratamento ministrado pelos
veterinários, que lhe dera uma aparência de boa saúde, a onça definhou até a
morte porque não conseguia mais se alimentar.
Confesso que por mais detalhes não me interessei.
Apenas guardei a notícia como um liame com a tenra infância. E jamais imaginei,
em minha tremenda ignorância, que uma onça morresse de câncer! No fundo, lá nas
profundezas do inconsciente, talvez tenham pesado os velhos temores – do bicho
selvagem e da doença – incutidos pelos comentários apreensivos da minha mãe.
Quanto ao comunismo, vejam vocês, marca a vida e
a militância desse filho de D. Oneide há mais de cinquenta anos. Sem nenhum
constrangimento, nem necessidade de pronunciar a palavra em tom baixo e
cerimonioso: hoje praticamente não existe preconceito contra o Partido
Comunista do Brasil e esse amigo de vocês, de posições claras e filiação
partidária explícita, encontra guarida em todos os salões, para além das
camadas populares e da intelectualidade progressista - das instituições
empresariais aos templos religiosos, onde pode expor ideias sem causar
estranheza.
Evoluiu a sociedade brasileira e a prática
política dos comunistas, que aliam firmeza de convicções revolucionárias com
convivência democrática e mutuamente respeitosa com todas as correntes
políticas, credos e visões de mundo.
No âmbito do amplo campo democrático e
progressista, mediante observância do objetivo estratégico programático, o
socialismo, o PCdoB se destaca na proposição de alternativas táticas viáveis e
consequentes, marcando assim presença ímpar na cena política.
Que a onça preta Jabuticaba continue descansando
em paz. E que o Brasil possa avançar na direção das grandes transformações que
o levarão a um novo patamar civilizatório.
*Texto da minha coluna semanal no portal Vermelho www.vermelho.org.br
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