Lula e os sonhos de consumo no Ano Novo
Luciano Siqueira
Na tradição revolucionária leninista (de maneira mais do que simplificada), faz-se uma distinção entre propaganda e agitação. A primeira comporta muitas idéias para um público supostamente sensível e interessado – como numa palestra ou num artigo alentado. A segunda é apenas a exposição de uma ou duas idéias através de um breve discurso de três a cinco minutos ou de um texto curto.
Óbvio que no segundo caso não há como detalhar causas e efeitos, considerar variáveis diversas, aprofundar o tema. Deseja-se, sim, despertar o ouvinte ou leitor (ou telespectador, se for o caso) para uma proposição que lhe provoque uma atitude imediata.
Quando se faz propaganda, aí sim, é possível discorrer de maneira mais abrangente e aprofundada sobre o tema, e mais do que uma ação imediata se pretende instigar a reflexão necessária a uma tomada de posição consistente e duradoura.
Segunda-feira última, ao se dirigir à nação, por meio de cadeia nacional de rádio e TV, o presidente Lula fez agitação ou propaganda? Um misto das duas, com razoável superficialidade na abordagem da crise financeira global e das repercussões sobre a economia e a vida dos brasileiros.
O presidente pretendeu incutir na população um espírito otimista, confiante no presente e no futuro do Brasil. Disse que a crise surgiu nos EUA e nos países mais desenvolvidos da Europa – e é verdade. Proclamou que o Brasil vive o seu melhor momento das última três décadas, com bom ritmo de crescimento e sinais de relativa estabilidade econômica – o que é parcialmente verdadeiro -, e por isso se encontra entre os países que hoje melhores condições têm de suportar a crise global.
Nas crises anteriores – proclamou o presidente -, em poucos dias o Brasil quebrava e era obrigado a pedir socorro ao FMI. Desta vez, o Brasil não quebrou, nem vai quebrar. Esta enfrentando a situação de cabeça erguida. Enquanto a maioria dos países ricos está em recessão, o Brasil vai continuar crescendo. É verdade que, com o vento a favor, poderíamos ir mais longe. Mas, mesmo com o vento contra, podemos e vamos seguir progredindo.
Alinhou entre os fatores favoráveis a inflação sobre controle, a diminuição da dívida pública (que em 2003 representava 52% do PIB e hoje caiu para 36%), a diversificação das exportações, as reservas monetárias situadas em 207 bilhões de dólares, o mercado interno em expansão sob o impacto do Bolsa Família, do aumento real do salário mínimo e do crescimento da oferta de empregos.
Sobre as medidas anti-crise, assinalou que “adotamos medidas para normalizar o crédito, para apoiar nossas empresas exportadoras e para manter a atividade nos setores que geram mais empregos, como as pequenas e médias empresas, a agricultura, a construção civil e a indústria automobilística. Reforçamos o poder de fogo dos bancos estatais e baixamos impostos para que as empresas e os consumidores pudessem ter um pouco mais de dinheiro em caixa e no bolso.” E ainda arrematou que “o governo manterá todos os investimentos previstos no PAC, e nos programas sociais. Em hipótese alguma, haverá cortes nos investimentos governamentais. Porque eles são decisivos para o Brasil enfrentar a crise e sair dela mais reforçado.”
Tudo bem. Até aí correto o discurso presidencial. Mas o final é de certa maneira questionável: “não tenha medo de consumir com responsabilidade. Se você está com dívidas, procure antes equilibrar seu orçamento. Mas, se tem um dinheirinho no bolso ou recebeu o décimo terceiro, e está querendo comprar uma geladeira, um fogão ou trocar de carro, não frustre seu sonho, com medo do futuro.”
Questionável por dois motivos: um, por ter omitido a postura do governo sobre um nó que precisa urgentemente ser desatado – o controle da conta de capitais. Isto quer dizer controlar o fluxo de capitais chamados voláteis que aqui entram e saem à base da usura – e onde reside talvez a maior vacilação do presidente no enfrentamento das ameaças externas.
O outro, o estímulo aos sonhos de consumo do supérfluo ou, pior ainda, do inatingível pela maioria dos brasileiros. Mesmo que seja necessário que as pessoas não parem de comprar para que “a roda da economia gire”, bem que Lula poderia ter empenhado o seu prestígio junto à grande massa do nosso povo num chamamento mais terra a terra ao consumo do que realmente é essencial. Para que os brasileiros não iniciem o Ano Novo sob a frustração de seus induzidos “sonhos de consumo”.
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