21 abril 2014

Garcia Márquez repórter

Gabo e um milagre chamado Vietnã 

Flávio Aguiar, na Carta Capital

A leitura de Vietnam Wars me despertou para um outro Gabo, tão fascinante quanto o primeiro. Tratava-se do Gabo jornalista, repórter, no caso, do Vietnã.

No dia 29 de maio de 1980 a revista Rolling Stone publicou um artigo do jornalista Gabriel Garcia Marquez, ‘The Vietnam Wars’. O artigo fascinou-me tanto quanto a leitura de Cem anos de solidão, mais de uma década antes, na impecável tradução de Eliane Zagury. A leitura deste livro levou-me ao encontro – abrindo o caminho – para um dos escritores mais ilustres, criativos, generosos e combativos que já pude ler.


Garcia Marquez era de uma estirpe particular de escritores, os ‘criadores de mundos’. É claro que todo o escritor cria o seu mundo; mas alguns o fazem criando um mundo particular, fictício e real, mas só deles, com os quais se identificam e por eles são identificados. Juan Rulfo e Comala; Joseph Conrad e Costaguana; Erico Verissimo e Santa Fé e mais Antares; Monteiro Lobato e o sítio do Picapau Amarelo, somente para dar alguns exemplos.

Foi e é dos escritores latino-americanos mais expressivos do que veio a se chamar, talvez um tanto imporprieamente, de ‘realismo mágico’, na esteira do que Alejo Carpentier batizou de modo mais preciso de ‘real maravilhoso’. Gabo (seu apelido, apócope de Gabriel) tornou-se um escriotor maravilhado, maravilhoso e maravilhante: maravilhado pela história de seu continente; maravilhoso pela qualidade e pelo fôlego; maravilhante porque quase sempre fascina o leitor pelos mundos que cria e pela riqueza humana de personagens como o Coronel Aureliano Buendía.

Porém a leitura de ‘Vietnam Wars” me despertou para um outro Gabo, tão fascinante quanto o primeiro. Tratava-se do Gabo jornalista, repórter, no caso, do Vietnã do pós-guerra, o país que restara dilacerado entre os escombros do antigo regime de sul, as feridas abertas deixadas pelo napalm, pelos bombardeios, pela implacável Operação Phoenix sob a batuta dos Estados Unidos, que dizimara os melhores quadros do sul do país.

O texto de Gabriel é claro, sucinto, preciso, amplo, captando todas as tragédias humanas e a dolorosa luta pela sobrevivência e pelo reerguimento do país devastado – mas não dobrado. O ponto alto e constante do artigo é a constatação do contraste entre os sul, onde se aglomera uma burguesia que perdeu o poder mas não a riqueza, atrás de uma rota de fuga irregular, os traficantes que abrem a rota, os piratas no mar do sul da China que assaltam os navios, e o norte, menos destruído, mas impotente para alavancar de modo rápido a recuperação daquele sul.

Gabo analisa com maestria o modo como a mídia do Ocidente criou a falsa imagem que o norte comunista e desalmado estava literalmente “jogando” as vítimas do sul pelo mar a fora, e chega a conclusão que os vencedores da guerra militar estavam sendo derrotados – também pela própria imprevidência – por uma outra guerra, a da informação.

Mas como tudo que Gabo tocava adquiria a consistência do maravilhoso, também não dava – nem dá agora, na releitura cheia de saudade – para desprezar o esforço titânico daquele povo,  atacado por todos os lado, ainda se acreditando ameaçado por uma nova guerra (desta vez seria com a China, ameaça que felizmente não se concretizou), esforço majestoso para renascer das próprias cinzas, e assim derrotar, mais uma vez, a Operação Phoenix, fazendo de si mesmo uma Fênix de verdade.


Obrigado, Gabo.

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