Marina não é "Lula de saias", mas Janio e Collor
Advertência necessária: quero deixar bem
claro, antes de começar a escrever este texto, no qual venho pensando desde que
Marina Silva explodiu como candidata favorita a presidente da República, após a
tragédia aérea que matou Eduardo Campos, para que ninguém entenda errado o
título: não se trata de uma comparação entre pessoas e suas trajetórias de
vida, mas entre fenômenos políticos.
Por
Ricardo Kotscho*, no blog Balaio do Kotscho
Marina
Silva. Nos últimos dias, apareceram muitos comentários na mídia comparando
Marina a Lula, ambos com origens bem humildes e histórias de vida comoventes,
que acabaram construindo seus próprios caminhos, os dois fundadores do PT e
vitoriosos em suas caminhadas. Por diferentes caminhos, eles agora se encontram
frente a frente em mais uma disputa pela Presidência da República do Brasil, e
há quem chame Marina de "Lula de saias", a mulher que desafia Dilma
Rousseff, candidata de Lula.
A
única vantagem de ficar velho, trabalhando no mesmo ofício, é ser testemunha de
tantas histórias acontecidas ao longo deste enredo político dos últimos 50
anos. Conheci e convivi com os quatro personagens citados no título deste
artigo e tenho condições de escrever sobre as coincidências e as diferenças
entre eles.
Chamar
Marina de "Lula de saias" é um grande equívoco. O professor
mato-grossense Jânio Quadros, o playboy alagoano Fernando Collor, o metalúrgico
pernambucano Lula, criado no ABC paulista, e a ambientalista acreana Marina da
Silva chegaram onde chegaram por caminhos muito diferentes.
Embora
os quatro sejam um retrato da diversidade social brasileira, com algumas
semelhanças no surgimento do fenômeno político, há enormes abismos entre as
motivações e os apoiadores das suas candidaturas. Jânio, Collor e Marina têm um
ponto em comum: lançaram-se candidatos com discursos contra a "velha
política", à margem dos grandes partidos, prometendo nas campanhas criar
um "novo Brasil" e uma "nova política", baseados unicamente
em suas vontades e carismas, como se isso fosse possível. Pelos exemplos do
passado, sabemos que isso não dá muito certo.
Os
três lançaram candidaturas mais simbólicas do que reais: Jânio era o
"homem da vassoura" e Collor o "caçador de marajás", ambos
tendo como bandeira o combate à corrupção, a bordo do velho mantra udenista,
moralista e hipócrita. Na mesma linha, Marina também aparece como a candidata
"contra tudo isto que está aí", a bordo das manifestações de protesto
de junho de 2013, candidata provisoriamente abrigada no PSB, partido do
falecido Eduardo Campos que, até meados do ano passado, estava na base aliada
do governo petista.
Ao
contrário destes três fenômenos eleitorais anteriores, bancados todos pela
grana gorda do empresariado paulista, sempre em busca de um candidato viável
que atenda aos seus interesses, Lula só foi eleito presidente da República em
2002, depois de três campanhas presidenciais fracassadas, e da longa construção
de um amplo apoio na sociedade civil, que começou pelos sindicatos, passou
pelos meios acadêmicos e culturais, e conquistou a juventude, combatendo
justamente estes grandes barões paulistas aboletados na Fiesp e na Febraban,
que financiaram Jânio, Collor e, agora, Marina, para evitar que seus inimigos
de classe chegassem ao poder central.
Não
tenhamos ilusões neste momento: é exatamente isto que está em jogo, não as
personalidades de Marina e Dilma, os seus defeitos e virtudes pessoais, que são
subjetivos. O mais importante é saber quem está de que lado, quais os
interesses de classe que estão em disputa, quem apoia quem e por qual motivo.
Eu
nunca escondi de que lado estou: diante deste quadro, apoio Dilma Rousseff, com
certeza.
Ricardo
Kotscho* é jornalista e blogueiro.
Leia mais sobre temas da atualidade: http://migre.me/kMGFD
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