29 março 2015

Instrumentos de coação

Agências de risco só servem ao mercado e podem contribuir para crises econômicas

Apesar de as 'notas' das 'rating agencies' terem ajudado a levar os EUA e o mundo à crise mundial em 2008, elas continuam a ser relevantes para governos, como o brasileiro, que comemorou avaliação da S&P 
Eduardo Baretti, na Rede Brasil Atual

São Paulo – No início da semana passada, o governo comemorou a notícia de que a agência de classificação de risco Standard & Poor’s manteve em “BBB-” a nota de crédito soberano de longo prazo do Brasil em moeda estrangeira, e, além disso, com perspectiva “estável”. A avaliação significa que o país foi mantido na chamada categoria de “grau de investimento”, seguro para investidores internacionais.
A questão é saber por que o governo considera tão relevante a “nota” de uma instituição que, no contexto de 2008, estava entre as que foram responsabilizadas por terem contribuído para o próprio estouro da crise.
A S&P, a Moody's e a Fitch Ratings são as três mais importantes do mundo e, portanto, com maior credibilidade. No entanto, até as vésperas do estouro da bolha do mercado imobiliário e a quebra do banco Lehman Brothers em 2008, os títulos hipotecários podres que lastreavam esse mercado eram avaliados como de “alta confiabilidade” pelas três. Por isso, as agências foram acusadas de "má conduta" e investigadas pelo Congresso americano, mas, como as “leis do mercado” são globais e de difícil regulação, as rating agencies continuam a operar livremente.
Para Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Unicamp, as críticas, às vezes contundentes, às agências de risco são pertinentes, mas nem por isso suas avaliações devem ser ignoradas. “Compactuo com as críticas, ao mesmo tempo em que acho que não se pode ignorar o efeito das notas que emitem”, diz. “O país não pode submeter ou mudar suas decisões estratégicas em função delas, mas é preciso entender do que se trata, o poder que elas têm no contexto de um mercado aberto, uma economia vulnerável a ataques especulativos, como a brasileira, com uma estrutura financeira muito forte, e que pode sofrer os efeitos dessas mudanças de rating.”
Para Luiz Carlos Delorme Prado, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, “não seria muito razoável, apesar das dificuldades que o Brasil está passando, fazer alterações muito grandes na classificação de risco do país”. "O país tem reservas internacionais elevadas (cerca de U$ 370 bilhões), instituições sólidas, e não há nada que indique haver algum risco sistêmico que possa levar a um default, uma crise cambial ou alguma coisa do gênero num futuro próximo. Não há uma situação em que você tenha um declínio tão grande da situação econômica que possa significar riscos para credores internacionais.”
Seja como for, rating agency pode provocar efeitos reais na economia de um país, já que orienta o mercado sobre o que julga serem investimentos seguros, fornecendo informações para torná-los mais eficientes. “Quando fazem avaliações para o credor, no fundo essas agências estão dizendo: ‘O Brasil é bom pra você, credor, mas o bom para você não é necessariamente bom para o povo brasileiro’”, diz Rossi.
O professor da Unicamp corrige a avaliação de que tais instituições se equivocaram feio ao não prever a hecatombe financeira de 2008. “Na verdade, não é que não previram, elas contribuíram para a crise.”
Num processo de bolha financeira existe um crescimento geral dos preços,  e “todo mundo acha que está tudo ótimo e esse é um dos problemas”. “Essas agências são financiadas pelo próprio mercado e ele tem interesses. Quando as agências de risco nos Estados Unidos classificavam (positivamente) aqueles derivativos tóxicos, atendiam a interesses de determinados bancos, fundos de hedge (investimento de alto risco e altamente especulativo), que queriam ver aquilo bem classificado. Mas aquilo se mostrou uma mentira.”
Outro exemplo é que a nota da Grécia era “muito melhor do que a do Brasil na véspera da crise grega”, lembra Rossi. “E aí, quando acontece a crise, eles se apressam para reduzir a nota do país, e aprofundam a crise ainda mais.” Em resumo, a agência não antecipa, mas aprofunda as crises ao rebaixar a nota dos países já em crise. “Se de um dia pra noite acontece um problema interno no Brasil, essas agências vão agravar esse problema. Do ponto de vista sistêmico é extremamente nocivo você ter esse tipo de agências privadas, que funcionam recebendo recursos dos mercados financeiros e condicionam aspectos reais de nossa economia.”
Rossi nota que as agências também atuam às vezes incluindo motivações políticas. Por exemplo, na década de 1990, a Moody’s e a S&P’s rebaixaram a nota da Índia porque o país anunciou que ia fazer testes nucleares. Pelas enormes repercussões que pode provocar numa economia, “esta é uma sanção mais eficaz do que qualquer sanção da ONU, do FMI, do próprio governo americano”.
Ao justificar sua “nota” ao Brasil no início da semana, a S&P analisou a conjuntura dizendo que “o governo ainda tem de detalhar uma agenda de crescimento a médio prazo”, mas a agência aposta na “ênfase renovada sobre a participação do setor privado em projetos de infraestrutura”. “Este é um outro componente-chave para impulsionar o sentimento empresarial, que foi danificado nos últimos anos por decisões políticas irregulares e, atualmente, por incertezas associadas a repercussões econômicas da Petrobras e os riscos de racionamento de água e energia", afirmaram os analistas. A S&P disse esperar que o PIB brasileiro recue 1% este ano, e volte a crescer em 2016 (2%) e 2017 (2,3%).

Fuga de capitais, desvalorização do câmbio...

Independentemente dos equívocos e de quais interesses estão por trás das avaliações das agências sobre a economia do país, o governo comemora avaliações positivas porque as consequências de um rebaixamento podem ser catastróficas. “Por exemplo, fuga de capitais. Se o Brasil não tiver um comportamento adequado e reduzirem a nota, isso pode gerar fuga de capitais, desvalorização do câmbio, a desvalorização do câmbio por sua vez pode provocar mais inflação etc”, pontua Rossi.
O professor da Unicamp esclarece que o termo “comportamento adequado” do governo se refere ao ponto de vista do mercado. O que o mercado quer é a liberalização financeira, que o governo adote políticas ortodoxas, como ajuste fiscal, e tenha um ministro da Fazenda com “credibilidade”. Em outras palavras, o papel das agências é “coordenar essas expectativas do mercado”, o que confere a elas um poder político enorme que pode acabar provocando uma adaptação do governo a esse tipo de vontade. “No fundo, é um déficit democrático, porque se o governo se submete, a gente perde em democracia.”
Para o professor da UFRJ, o governo recebeu muito positivamente a avaliação da S&P porque já tem problemas demais no momento. “Acho que ele comemora porque qualquer elemento para piorar a situação certamente é desfavorável. Nesse sentido, (o rebaixamento do país) seria mais uma má notícia no meio de uma sucessão de más notícias. Num clima como esse, uma queda na avaliação de risco seria um sinal muito negativo e mais uma fonte de instabilidade”, diz Luiz Carlos Prado. Mas ele afirma não “imputar grande importância a essas agências”. 
Por outro lado, diz, o governo tem pouca margem de manobra na atual conjuntura para melhorar significativamente a percepção por parte do mercado. Ele acredita que, passado este ano conturbado, se o Planalto conseguir aprovar pelo menos parte dos ajustes e se eles tiverem resultados econômicos positivos, permitindo certa folga para crescer no próximo ano, o cenário começa a melhorar.
“Até lá acho que não vai haver nenhum mudança significativa de percepção (do mercado). Agora é esperar um pouco para ver o que vai ocorrer. Tem uma agenda a ser colocada. Nos próximos meses nós veremos o que efetivamente vai funcionar. Se ao final do ano os resultados forem mais ou menos positivos e em 2016 houver margem para ter um resultado melhor, pode ser que melhore a partir daí. Antes disso é difícil”, diz Prado.


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