Vamos ao que interessa
José Bertotti*
Uma reflexão que devemos fazer diz respeito à reforma
política tão reclamada. Porém vejamos que se não existir um debate aprofundado
na sociedade para indicar ao Congresso o real sentimento de mudança, de que
maneira o Congresso decidirá e como fará para pontuar as questões fundamentais
que envolvem essa reforma. Ficaremos apenas no aguardo de uma decisão que ao
longo dos anos se arrasta? Cito como exemplo uma questão fundamental que a
todos nos afeta e passa a margem dos noticiários: por que ainda não temos o
orçamento de 2015 aprovado, seja o proposto por Dilma ou qualquer outro
constitucionalmente aprovado?
Nessa reforma política, um dos principais pontos que merecem
nossa atenção trata da representatividade do Congresso. Segundo o apurado pelo Departamento
Intersindical de apoio Parlamentar (DIAP), atualmente menos de 50 deputados têm
origem no movimento sindical de trabalhadores e mais de 250 congressistas são
empresários articulados para defenderem seus interesses.
Nesse caso a crítica que os setores conservadores fazem ao
se levantar esse questionamento é a da ideologização do debate em curso no
Brasil. Bem, essa cantilena conhecemos onde vai dar: eu abandono minha ideologia
e alguém impõe a sua. Não nos enganemos, o debate deve ser feito de forma
plural e deve ter fundamento ideológico sim!
Outra desqualificação apontada pela grande mídia diz
respeito à confrontação artificial entre ricos e pobres existente no debate
sobre os rumos da economia e apontam como solução diminuir a gastança do
governo e aprofundar a austeridade para todos. No quesito orçamento equilibrado,
concordamos que de fato ele é uma necessidade, mas precisamos qualificar gastança!
Para esses setores conservadores, gastança se dá com a
conquista e manutenção de direitos sociais como valorização do salário mínimo,
crédito acessível aos trabalhadores e assistência social constitucionalmente
prevista. Ora, vamos a fundo e perceberemos que mesmo com a implementação de
importantes programas que permitiram uma sensível melhora na absurda
desigualdade de renda no Brasil, elevando principalmente a renda dos mais pobres,
não será difícil verificar que nesse ritmo ainda vamos demorar mais algumas
dezenas de anos para ficarmos no mínimo um pouco menos desiguais.
Outra receita é a famosa austeridade e novos impostos para
equilibrar o orçamento e permitir mais investimentos, pomposamente anunciados
como a solução de nossos problemas. Penso que podemos e devemos fazer esse
debate, mas por que não começarmos com uma aprofundada discussão sobre o
imposto de grandes fortunas e os lucros auferidos por rentistas e financistas,
originados historicamente num sistema concentrador de renda com raízes no
patrimonialismo de nossa sociedade, incrustado nela desde nossa origem
colonizada. Nesse caso, vale a pena ler ou reler "Os Donos do Poder"
de Raimundo Faoro.
Por isso sou a favor do debate sim, sem maniqueísmos, mas
colocando o dedo nas feridas. Um verdadeiro debate sobre a corrupção, que deve
ser punida e repudiada, e que tomou corpo de fato nos governos Lula e Dilma,
permitindo que os processos não fossem mais engavetados. Nesse caso, inclusive,
fica cada vez mais claro que a origem dessa corrupção não está no seio dos
governos, comandada por alguns funcionários públicos fracos de caráter que se
vendem, mas sim originada e manipulada pela vergonhosa compra de corações e mentes
por parte de alguns inescrupulosos cidadãos detentores do poder de compra.
O Governo Dilma lança a proposta Pátria Educadora para ir
ao debate de fato da melhoria da competitividade de nossa economia. Mas vamos
debater qual a educação que precisamos e por que existe em nosso país a
segregação entre pobres que estudam em precárias escolas públicas, e ricos e
remediados que estudam em escolas privadas que nem sempre entregam o ensino que
se propõem a vender. Melhoria da nossa produtividade! Claro, mas com a criação
de infraestrutura para portos, ferrovias e um vultoso investimento no
transporte público de massa, pois atualmente nem metrô e ônibus decentes
conseguimos oferecer para o imenso contingente de trabalhadores e trabalhadoras
brasileiros.
Bom, não sou mulher, mas penso que por aí podemos sentir
aquilo que se chama as dores do parto, o novo não nasce sem que o velho tente
se agarrar de qualquer maneira para permanecer existindo. Por isso defendo o
debate e a democracia. Dilma foi eleita para governar e iniciou seu mandato há
dois meses e já falam abertamente em retirá-la da presidência. Ora, isso se
chama golpe. Democracia é bom e necessária, porém pode sempre ser aperfeiçoada,
mas nesse momento precisamos defender o mandato
democraticamente conquistado por Dilma Rousseff.
*Ex-secretário estadual de Ciência e Tecnologia, dirigente
estadual do PCdoB
Leia mais sobre temas da
atualidade: http://migre.me/kMGFD
Nenhum comentário:
Postar um comentário