Indústria 4.0, identidade e consciência de classe dos trabalhadores
Walter Sorrentino, no portal
Vermelho
Como se sabe,
está amplamente questionada hoje pela ofensiva liberal o papel das classes
trabalhadoras para qualquer papel transformador da sociedade no rumo do socialismo.
A mistificação do fim do papel central do proletariado não esconde a dura
realidade da luta de classes promovida pelo capitalismo em termos de
superexploração e opressão, precariedade e intermitência nas relações de
trabalho, alienação e fragmentação da identidade social.
Infelizmente ela
abalou convicções também de setores ex-marxistas na esquerda e deram ensejo ao
que genericamente se pode chamar “as novas esquerdas”, aderentes de proposições
de novos sujeitos sociais, os “novos atores” do palco da história, como base de
um novo bloco social para a alternativa política, desfazendo-se da centralidade
das classes essenciais à produção e reprodução do capital. O “fim do trabalho”
é um dos pilares do pós-modernismo irracional.
Os trabalhadores têm
papel proeminente na luta de classes moderna e são eles que podem, ou não,
apresentar-se na liderança de um bloco político-social e intelectual para uma
perspectiva socialista. Pretender analisar a sociedade capitalista moderna sem
amparar-se no caráter das forças produtivas e relações de produção seria como
tentar fazer evoluir a biologia descartando Darwin.
É nesse contexto
histórico e material que se firma o papel de classe dos trabalhadores, central
para a produção de valor e a reprodução do capital. Compreendê-lo como o
sujeito histórico de primeira ordem para o movimento de superação do
capitalismo é absolutamente definidor de uma crítica classista e revolucionária
do neoliberalismo.
Entretanto, isso não
desobriga de atualizar a morfologia mutante das classes trabalhadoras. Hoje se
desenvolve a 4ª revolução industrial. Autores como Klaus Schwab, em um trabalho
publicado em 2016 intitulado The Fourth Industrial Revolution, a revolução
digital é motivada por tecnologias como internet móvel, inteligência artificial,
automação, novos materiais, “machine learning” (robôs e computadores que podem
se auto programar e chegar a soluções ótimas, partindo de princípios
pré-determinados, incorrendo em aprimoramentos nesta capacidade de
autoprogramação), além do aperfeiçoamento de sensores tornando-os menores e
mais potentes possibilitando, assim, a internet das coisas.
Aprimoramentos no
campo genético e na nanotecnologia são, também, apontados como base de
tecnologias promovidas por esta revolução em curso. Embora algumas das
tecnologias da indústria 4.0 - como softwares, hardwares e a internet - tenham
sido desenvolvidas na 3ª revolução industrial, estas sofreram e estão sofrendo
um aprimoramento e aperfeiçoamento notável. A internet, por exemplo, com a
atual difusão e barateamento do acesso, o incremento da capacidade e velocidade
de transferência de dados, assim como a internet móvel, fizeram com que a rede
se tornasse onipresente se comparada aos anos 1990.
O desenvolvimento,
incorporação e aplicação dessas inovações são realmente disruptivas e têm
provocado mudanças sociais e econômicas. Por exemplo, robôs automatizados,
futuramente, serão capazes de interagir com outras máquinas (comunicação
máquina para máquina: M2M) e com os humanos, tornando-se mais flexíveis e
cooperativos; a manufatura aditiva promove a produção de peças, por meio de
impressoras 3D, que moldam o produto por meio de adição de matéria-prima sem o
uso de moldes físicos. A internet das coisas industrial conectará máquinas, por
meio de sensores e dispositivos, a uma rede de computadores, possibilitando a
centralização e a automação do controle e da produção. O Big Data e Analytics
identificará falhas nos processos da empresa, ajuda a otimizar a qualidade da
produção, economiza energia, torna mais eficiente a utilização de recursos na
produção e antecipa necessidades das pessoas.
Haverá uma
hiper-industrialização 4.0. A crescente perda da participação industrial no PIB
das economias maduras do capitalismo até aqui sofrerá mudanças, enquanto em
alguns países dependentes aprofunda-se a desindustrialização deformada e
precoce, como no Brasil.
Tal desenvolvimento
das forças produtivas leva a mudanças técnicas na configuração do trabalho, mas
sem afetar a essência da produção ampliada de valor e da exploração mediante a
extração de mais-valia; antes pelo contrário, aprofunda-as. Agudiza-se a
contradição entre as forças produtivas e as relações de produção; acentua-se a
crise crônica de demanda que constitui uma das essências da presente crise
mundial do capitalismo; eleva-se a luta de classes dos capitalistas contra os
trabalhadores. Nesse ambiente, a crise capitalista mundial, prolongando-se e
não encontrando saídas progressistas mesmo que no âmbito do capitalismo,
recrudescerá numa reestruturação produtiva que levará a nova geração de
desmonte da materialidade e cultura do mundo do trabalho.
As classes
trabalhadoras se apresentam mais extensas, mais diferenciadas, heterogêneas e
fragmentadas em sua identidade: hoje, grande parte deles, ao se olhar no espelho,
não se reconhece como integrante da classe.
É preciso falar e
estudar a condição de um proletariado ampliado, numérica e conceitualmente.
Cresce permanentemente o exército industrial de reserva; há crescente
substituição de mão de obra pela técnica; eleva-se a precarização do trabalho
(terceirização, uberização); há crescente produção de valor e mais-valia na
produção imaterial (terciarização da economia); há o trabalho braçal e o
exército de quase-agregados da Casa Grande; há o trabalho industrial e o
trabalho científico e cultural. Há produção de valor e mais valia não apenas na
esfera da produção, como também na distribuição e circulação do capital.
Enfim, o trabalho
assalariado produtor de mais-valia estende-se em escala e alcance inimaginados,
embora com morfologia distinta do clássico século 20. Um exemplo muito
significativo: na capital de São Paulo o maior recolhimento de Imposto sobre
Serviços (utilizo-o como índice indireto do valor agregado), provém
inusitadamente de uma empresa - não é banco, não é conglomerado, não é
indústria… É do Google! Que é o Google? Onde se situa? Quantos são os
trabalhadores do Google (posso assegurar que são pouquíssimas centenas na Zona
Sul de São Paulo)? Quanto valor geram?
Tudo isso afeta o
próprio paradigma da luta política e sindical dos trabalhadores. Conduz a novas
exigências para os trabalhadores alcançarem a consciência de classe de seus
interesses fundamentais contra a exploração e opressão. Novos segmentos
constituirão a “vanguarda” desses trabalhadores, favorecidos pelo contingente
mais jovem, o maior nível educacional, cultural, técnico e de acesso à
informação. Pode-se falar, sim, em mudanças na composição do mundo do trabalho,
mas nada indica que a consciência da exploração e opressão feneçam na vivência
dos trabalhadores. Demanda tempo e contemporaneidade no modo de compreender a
dialética entre forças produtivas e relações de produção sob o neoliberalismo.
Daí os novos
desafios das sociedades modernas, enfatizadas entre outros por Luiz Gonzaga
Belluzzo: “como as instituições humanas vão responder às forças sistêmicas
transformadoras da vida”? Nisso se inserem outras questões fundamentais, sejam
derivadas – padrões novos de urbanização e lócus do conflito social – e alcança
também o papel dos Estados nacionais e, paralelamente, a dos partidos
políticos.
Não se deve assumir
a condição de epígonos, mas descortinar sistematicamente a realidade produtiva
e sociológica e empírica para dar conta de atualizar o conceito do
proletariado.
Os partidos que se reivindicam
como representação dos trabalhadores, em especial os comunistas que se assentam
na centralidade da luta de classes dos trabalhadores, trata-se de
compreenderem-se precisamente como fator da identidade de classe, vale dizer,
desenvolver neles a consciência de pertencimento a uma classe com objetivos
autônomos e capaz de constituir um projeto político hegemônico na sociedade,
com base nos interesses coletivos e fundamentais da classe e, assim, da maioria
da sociedade.
Para isso, precisam
abordar o espectro da classe trabalhadora de A a Z e buscar as novas condições
para forjar a consciência revolucionária de classe. Isso quer dizer encontrar
os modos de fazer a mediação da ciência para alcançar tal consciência de classe
“para si”, profundamente modificadas pela base material e sua refração na
subjetividade. Só assim, e a partir da vivência direta nas relações sociais dos
trabalhadores entre si e na sua luta, se voltará a falar aos corações e mentes
da maioria social, com pedagogia e paciência, ouvindo-os para que sejam ouvidos
pelos partidos que almejam representa-los politicamente.
Acesse
https://www.facebook.com/LucianoSiqueira65/ * https://twitter.com/lucianoPCdoB * Instagram
lucianosiqueiram
Nenhum comentário:
Postar um comentário