Bolhas ideológicas
ou câmaras de eco
Fernando
Nogueira da Costa, Jornal GGN
Uma análise do desafio
quantitativo de extrapolarmos nossas opiniões para além de nossas bolhas
ideológicas ou "câmaras de eco". Os elos da cadeia de coesão social
estão rompidos
O ser humano
tem capacidade de manter uma rede de amizade composta por, em média, 150
pessoas. Conhecido como “número de Dunbar”, ele foi estipulado, na década de
90, pelo antropólogo inglês Robin Dunbar. Este professor da Universidade de
Oxford é um dos mais importantes estudiosos da Psicologia Evolutiva.
Esse número
se mantém o mesmo desde os primórdios da humanidade. Entre os primatas, a
quantidade de amigos é determinada pelo tamanho do cérebro. Ele não mudou com a
popularização das redes sociais digitais. Compartilhar informações pessoais com
quem não se tem intimidade cria uma falsa sensação de amizade.
Dessa média
150 amigos, inclusive parentes próximos, cinquenta são considerados bons
amigos. Desses, apenas quinze podem ser chamados de melhores amigos. Entre
eles, somente cinco pertencem à categoria dos amigos íntimos. São aqueles
procurados por você quando está com problemas, pede conselhos, busca consolo e
até mesmo aceita dinheiro emprestado. Os diferentes graus de amizade são
determinados pela frequência do contato. Dependente dela, esse número médio de
amigos tende a se renovar em 1/5.
A cooperação
e o compartilhamento de informações entre pares confiáveis são cruciais para a
sobrevivência, seja no passado, seja no presente. Em 70% dos casos, o encontro
do par romântico, para a reprodução, acontece por intermédio de uma dessas
pessoas.
A
personalização pela ação de algoritmos de informações, filmes e músicas
oferecidos nas grandes plataformas como Google, Facebook, WhatsApp, Twitter,
Instagram e outras como Netflix e Spotfy, leva as pessoas a serem expostas,
cada vez mais, a opiniões e ideias similares às suas próprias visões de mundo.
O efeito dessas bolhas ideológicas, conhecido como “bolha online” (filter
bubble) ou “câmara de ecos”, sobre as sociedades democráticas ainda não é
conhecido por completo.
Embora
pareça, nenhuma dessas informações chega ao usuário por acaso. As notícias,
sejam verdadeiras, sejam falsas (fake News), são remetidas como as mais
apropriadas aos respectivos perfis sociais, econômicos e políticos. Há uma
excessiva concentração de pontos de vista similares em cada um dos diversos
agrupamentos.
O discurso
de cada candidato, então, é modelado conforme cada plateia a ser abordada. Se é
ignorante, ela se torna mais ainda. Na internet, as pessoas acabam cada vez se
relacionando mais com aqueles selecionados como seus “iguais”, compartilhando
assim as mesmas ideias, crenças e aspirações. Mas também superstições e
preconceitos.
Como
consequência da criação dessas bolhas online, ocorre uma intensa fragmentação
entre tendências políticas. As pessoas têm acesso prioritário às notícias e
opiniões tendentes a reforçar suas próprias concepções apriorísticas. A
consequência desse fenômeno é uma maior polarização política entre progressistas
e conservadores.
Se a
comunicação e a interação na internet restringem-se a grupos possuidoras das
mesmas ideias, quem não é do seu condomínio passa a ser visto como diferente e,
daí, considerado adversário senão inimigo. Os indivíduos se tornam mais
dogmáticos e extremados, favorecendo o isolamento ideológico. Cada qual “busca
sua turma”.
Daí derivam
diversos erros de pensamento ou vieses heurísticos. A despeito de ser
verdadeira ou falsa, a heurística é adotada, provisoriamente, como ideia
diretriz na análise dos fatos. Por exemplo, em “pensamento de grupo” pessoas
inteligentes tomam decisões absurdas porque cada um ajusta sua própria opinião
ao suposto consenso.
Outra
heurística é a “prova social”: não se comporta de modo correto quando apenas se
comporta como outros de sua rede. Simplesmente por mais pessoas acharem uma
ideia correta, isso não torna correta essa ideia.
Abusa-se da
“falácia do espantalho” no debate eleitoral. Apresenta de forma caricata o
argumento do outro candidato adversário, com o objetivo de atacar essa falsa
ideia em vez do argumento em si. Lança-se “culpa por associação”: desacredita
uma ideia racional ao associá-la a algum indivíduo ou grupo malvisto na própria
rede social.
No debate
público atual, a questão presente é se há interconexões entre essas bolhas.
Foram reduzidas a duas, no segundo turno eleitoral, e enfrentam a dicotomia do
“pensamento vermelho ou amarelo”: tudo no âmbito da discussão se reduz a duas
categorias opostas. Ao rejeitar uma das opções – #elenão –, o eleitor democrata
não tem alternativa a não ser aceitar a outra, caso não se omita e invalide seu
voto nesta hora grave para a democracia brasileira.
Além disso,
essa disputa (com a terceira opção excluída como voto inválido) passa a ser de
perde/ganha: um eleitor do outro lado convencido a mudar de posição “vale mais
de um”. Se a diferença está em 59% X 41% de votos válidos, quem está com esse
menor percentual terá de ganhar 9% dos eleitores mais um voto para ser eleito –
e não 18%.
Em um
eleitorado de 147,3 milhões, descontando grosso modo 20% como abstenção e votos
inválidos (brancos ou nulos), resulta em 118 milhões de votos válidos. Logo, 9%
deles representam cerca de 10 milhões de votantes no primeiro turno em
candidatos de partidos não à esquerda: PT, PCdoB, PDT, PSB, PSOL, etc.
O desafio é
este: como alcançar e argumentar racionalmente com essas pessoas de outras
bolhas ideológicas?
Temos de
enfrentar o “viés de confirmação”. A tendência de interpretar novas informações
de modo a serem compatíveis com a próprias teorias, visões de mundo e
convicções. Filtramos novas informações contraditórias de forma tal a nossas
crenças permanecerem intactas. Só toleramos conviver com pessoas com os mesmos
pensamentos.
Outra
dificuldade a ser superada é a perseverança: validação ilusória através de
“confirmação exclusiva com quem pensa igual”. Leva a perseverar no erro de
avaliação.
É esperada
certa “preguiça social”. Surge quando o desempenho do indivíduo não é visível
diretamente, mas se dilui em um grupo. Por que investir toda minha força se
também não sou notado quando faço menos esforço?
Há tendência
a deduzir certezas universalmente válidas a partir de uma ou poucas
experiências pessoais. No entanto, todas as certezas são temporárias. A memória
é curta e seletiva, logo, imagina-se só estar disponível imediatamente na mente
o relevante. Contra essa heurística, temos de explorar os fatos recentes
desabonadores da conduta democrática ou ética do adversário.
Sob o risco
de cometer uma falácia da composição – como partes de um todo têm um
determinado atributo, inferir daí o todo também ter aquele mesmo atributo –
posso extrapolar a interlocução com a minha rede para o todo? Dificilmente,
porque os números absolutos são muito enganadores. Por exemplo, meu modesto
blog pessoal já recebeu 7,3 milhões visitantes e por dia recebe em média 4 mil.
Tem 2,1 mil seguidores. É representativo como formador de opinião? Não. É uma
“pregação para já convertidos”. Quem o lê, provavelmente, já tem um perfil
ideológico similar ao meu.
Quantos leem
os principais jornais diários do Brasil? Segundo o Instituto Verificador
de Circulação (IVC), em dezembro de 2014, a tiragem impressa total dos 11 dos
principais veículos nacionais era de 1.256.322 exemplares em média por dia. Em
dezembro de 2017, o número havia caído para 736.346 – o equivalente a uma
redução de 41,4%.
Apesar de
estar encolhendo quando se trata leitores pagantes nas suas versões impressas e
digitais, os principais veículos jornalísticos brasileiros influenciam na
internet. O conteúdo aberto – todos têm uma parte cujo acesso é gratuito –
atrai milhões de visitantes aos sites de Folha, Globo, Estadão e outros.
Levantamento recente mostra o seguinte acervo de seguidores dos principais
jornais diários no Facebook: Folha: 5.954.066; Globo: 5.574.463; Estado:
3.711.606; Zero Hora: 2.572.606; Estado de Minas: 187.910; Correio Braziliense:
712.925; Valor Econômico: 982.096; Gazeta do Povo: 1.380.478; A Tarde: 203.976;
O Povo: 1.311.636. Fluxo diário ou estoque somado?
Então, quem
forma a opinião pública? Não é um reducionismo responder “a mídia”? Nesta
eleição presenciamos o fracasso do candidato com maior mídia televisa à
disposição na propaganda oficial – e na informal (Globo News, FSP, Estadão,
etc.). A casta da pena (partido da imprensa golpista) perdeu importância
relativa para outros “partidos institucionais”: da farda (todo o aparelho
militar), da toga (intervenção ad hoc na véspera com factoide), dos pastores
(evangélicos). Com a fragmentação do sistema partidário brasileiro, as
instituições se partidarizaram e, oportunisticamente, viraram lobistas de seus
interesses junto a determinado candidato com maior chance eleitoral.
A revolução
tecnológica concentrada na tecnologia da informação foi instrumento, em meio à
crise econômica global, para profundas mudanças nas relações sociais, nos
sistemas políticos e nos sistemas de valores. Os eleitores se colocam em
câmaras de eco sem opiniões dissidentes.
Progressistas e conservadores se
segregam, cada qual fica em sua bolha ideológica. A passionalidade política
rompe os elos de uma cadeia de coesão social. Na ausência desta, o risco é a
coerção repressiva. Necessitamos de uma conciliação nacional para a cooperação
mútua e a sobrevivência da democracia.
Anexo
Estatístico
Os gráficos
e as tabelas do DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar)
apresentam informações para um Diagnóstico da Eleição de 2018.
Além da
predominância da nova (e musculosa) "geração-saúde", 83,3 milhões
(57%) até 39 anos, praticamente, sem a vivência da ditadura militar até 1984,
duas outras tabelas me chamam a atenção em especial. A primeira apresenta a
escolaridade dos 147,3 milhões eleitores. Mais de ¼ (26%) têm o ensino
fundamental incompleto, somados a 7% com apenas o fundamental completo,
resultam em ⅓ dos eleitores com
escolaridade primária. Cerca de 22% tem ensino médio completo e 17% médio
incompleto, somando 39% com
escolaridade média. Com superior completo são 9% (13,4 milhões) e superior
incompleto 5% (7,2 milhões), ou seja, os universitários somam 20,5 milhões ou
14% do eleitorado.
Essa
escolaridade se revela um diferencial em sabedoria política? Aparentemente não,
haja vista o número de eleitores com ensino superior (sic), isto é, com
"diplomas comprados" e incultos politicamente ao escolherem o
neofascismo como futuro do País. Os eleitores de baixa escolaridade, por sua
vez, têm “conhecimento de causa” sobre a importância das políticas sociais
ativas para o bem-estar social.
A segunda
tabela diz respeito à mídia social. A soma de todos os seguidores e curtidas
dos candidatos dá 47 milhões, ou seja, 100 milhões a menos do total de
eleitores, desconsiderando “dupla contagem”. Seriam menos de 1/3 do total. Há
uma verdadeira máquina de desinformação realizada pela campanha de Jair
Bolsonaro – ele teria quase 1/3 do total desses seguidores/curtidas. não só
nessas mídias apresentadas, mas principalmente via WhatsApp. Não é só a
campanha formal, mas também a realizada por todos aqueles
"inocentes-úteis" capazes de gerar e compartilhar conteúdos falsos a
seu favor. Notícias falsas e teorias da conspiração circulam em profusão,
criando um verdadeiro universo paralelo contra o qual o jornalismo sério pouco
pode fazer.
As agências
de checagem de fatos têm se mostrado incapazes de conter a maré das fake news.
No tempo em que se apura uma notícia falsa, três novas já foram criadas e
circulam pelo WhatsApp.
Nessa marcha de insensatez, a maioria dos eleitores
opta pelo agravamento da perda de renda e empregos e a morte gradativa da
democracia, conduzindo o Brasil para se tornar um “pária” internacional,
desconsiderado pelas Nações democratas.
*Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Métodos
de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018 - no prelo). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.
Leia mais sobre temas da atualidade: https://bit.ly/2Jl5xwF
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