Entenda as razões das investigações do STF sobre os vazamentos
Se a independência funcional foi
utilizada irresponsavelmente para desestabilizar a democracia, como seria sem
independência funcional, em um momento em que ascende ao poder um governo
autoritário?
Luis
Nassif, Jornal GGN
A Lava Jato
Curitiba se tornou a principal alimentadora dos ataques das redes sociais ao
Supremo Tribunal Federal (STF). Os procuradores agem de maneira explícita. Em
declarações e artigos em órgãos de imprensa ou pelo Twitter, passaram a
alimentar campanhas virtuais contra o STF, impulsionadas por redes digitais
bancadas por empresários financiadores do bolsonarismo. E o corporativismo
impede que os órgãos de controle do Ministério Público Federal coloquem um
freio nos abusos, em defesa da própria corporação.
Não se limitam à sua atuação funcional, mas procuram pressionar
os órgãos superiores, através das milícias digitais, e a interferir nas
políticas partidárias.
Esse é o pano de fundo, o ponto central a ser analisado.
Por conta dessa
ausência de auto regulação, e da infiltração de partidos de direita na
corporação, hoje em dia, o MPF é uma barafunda ideológica, a ponto de Airton
Benedito – o procurador goiano que considera que direitos humanos é uma faceta
do marxismo cultural – ter sido eleito por seus colegas goianos justamente para
a Procuradoria Estadual dos Direitos do Cidadão. Seria o mesmo que indicar
Brilhante Ustra para coordenar a justiça de transição.
A proliferação de abusos na 1ª instância, e o enfraquecimento
dos órgãos de controle, foi a bomba deixada pelo ex-PGR Rodrigo Janot no colo
da sua sucessora. E, aí, um tema complexo encontrou uma procuradora centralizadora,
fechada, e com pouquíssima flexibilidade política.
Para evitar opiniões disparatadas sobre temas complexos, Dodge
havia proposto um novo modelo para meio ambiente, criminal e tutela coletiva,
criando câmaras temáticas para ajudar a definir uma espécie de jurisprudência
da casa.
Pensava agradar a categoria aumentando as gratificações por
função. Mas a medida foi interpretada como maneira de acabar com a
independência funcional do MPF, previsto na Constituição de 1988. Julgou-se que
os conselhos poderiam designar procuradores para o caso especial. O mal-estar
permaneceu mesmo após desmentido de Dodge.
O enfraquecimento de Dodge aumentou o atrevimento da Lava Jato
de Curitiba. Não apenas Dallagnol, mas procuradores como Diogo Castor e Roberto
Pozzobon passaram a criticar abertamente o STF, insuflando as milícias
digitais, do mesmo modo que o veterano Carlos Fernando dos Santos Lima. O MPF
tornou-se uma verdadeira casa da mãe Joana.
O STF abriu uma representação contra Dalagnoll por uma
entrevista em que (mais uma vez) desancava a 2a Turma do STF, acusando-a de
leniente com a corrupção.
Para decepção dos Ministros, Dodge refugou, fez a defesa da
liberdade de opinião, totalmente incabível em um agente do Estado, quando
insufla a opinião pública contra outro poder.
Percebendo a impotência da PGR, Dallagnol abusou. Entrou com uma
representação junto à PGR, pedindo a suspeição de Gilmar Mendes. Antes que a
representação chegasse a Dodge, divulgou a informação visando pressioná-la.
Deixou-a emparedada. Se aceitasse, seria pau mandado; não aceitando, seria
leniente com a corrupção.
Não se tratava mais do jovem evangélico em luta contra o dragão
da corrupção, mas um agente político irresponsável em relação à sua corporação,
que não vacilava em desmoralizar o próprio MPF e a PGR em favor dos propósitos
políticos de seu grupo.
Dodge deu o troco no episódio da proposta de criação da tal
fundação que visaria administrar R$ 2,5 bilhões que a Lava Jato recebeu no
acordo firmado com o Departamento de Justiça norte-americano.
O episódio causou uma trinca na imagem da Lava Jato junto à
mídia. Ao perceber a quebra na unanimidade, Dodge entrou batendo pesado,
propondo uma ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Constitucional) contra a
medida. A ADPF leva o caso diretamente ao STF, evitando o risco de decisões
corporativistas dos órgãos de controle do MPF, como os conselhos superiores.
Mas, ao mesmo tempo, provocou críticas na corporação, pelo enfraquecimento da
1a instância.
Desagradou a gregos e troianos. Se a independência funcional foi
utilizada irresponsavelmente para desestabilizar a democracia, como seria sem
independência funcional, em um momento em que ascende ao poder um governo
autoritário?
Nos dois casos, nem os críticos da Lava Jato concordaram com as
duas decisões, pelo caráter centralizador. Em ambos os casos, foram decisões
solitárias de Dodge, que não tem por hábito consultar nem seus assessores
diretos.
Foi esse pano de fundo que levou o STF, através do nada sutil
Alexandre de Moraes, a tocar a investigação contra os vazamentos e as milícias
digitais. Haverá garantia de que os fatos serão apurados, sem defesas
corporativistas. Depois, com a ampla publicidade dada aos resultados da
apuração, o MPF terá a dura missão de fazer (ou não) a denúncia. Não haverá
como o MPF deixar de encarar seus ossos no armário.
Seria bom que caísse a ficha da corporação que a maior ameaça ao
MPF independente se chama Deltan Dallagnol e seu padrinho Sérgio Moro.
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