18 abril 2019

Poderes em crise


O século do Judiciário e a volta da barbárie
Luis Nassif, Jornal GGN

De um bravo Ministro do Supremo Tribunal Federal, anos atrás ganhei um livro do jurista italiano Luigi Ferrajoli e a crença de que o século 21 seria o século do Judiciário, trazendo luzes, direitos, sede de Justiça, o poder contra-hegemônico levando a justiça às minorias e aos órfaos da política.
O Século 20 havia sido o do Legislativo, no início impondo o poder da maioria sobre os direitos das minorias, insuflado por massas ululantes e levando ao poder ditadores terríveis. Depois da Segunda Guerra, as maiorias legislativas acabaram sendo contidas por constituições, que definiam princípios civilizatórios e limites  que não poderiam ser ultrapassados pela legislação comum, impedindo golpes de Estado de maiorias eventuais.
Agora, com o Século do Judiciário, o que se vê, em nível global, é o arbítrio sendo exercido de uma forma inédita justamente pelo poder incumbido de trazer as luzes. A desmoralização da democracia representativa, dos partidos políticos, a ampliação da cooperação internacional, fizeram com que Ministérios Públicos e Judiciários de vários países passassem a instrumentalizar seus poderes constitucionais, cometendo toda sorte de abusos e sendo alimentados pela malta que passou a vociferar através das redes sociais.
Os casos de multiplicam. No Japão, o -brasileiro Carlos Ghosn está sendo submetido a uma perseguição implacável do MP japonês, mantido isolado na prisão, sem direito de se comunicar com o exterior e sem acesso aos autos para se defender. E tudo tendo como pano de fundo a disputa entre franceses e japoneses pelo controle de uma empresa automobilística.
No Canadá, o MP foi acionado pelos Estados Unidos para prender a filha do dono da Huawei, como instrumento da guerra tecnológica pelo desenvolvimento do 5G.
Em Portugal, o ex-primeiro ministro José Sócrates foi submetido a um ano de massacre pela parceria dos procuradores portugueses com a imprensa. Depois, permaneceu um ano preso sem culpa formada.
Nos Estados Unidos, alguns juizes e procuradores se aliaram a escritórios de advocacia e empresas de auditoria para criar uma indústria do compliance, arrancando bilhões da economia produtiva para a economia improdutiva que se instalou. A última vítima foi a Petrobras.
No Peru, a perseguição da Lava Jato local levou um ex-presidente ao suicídio.
País sem tradição democrática, o Brasil comprometeu a própria democracia, tendo como episódios trágicos o impeachment e a prisão política de Lula. O plantio pertinaz das sementes do arbítrio não foram praticadas por  jovens procuradores concurseiros, mas por Ministros do STF, como Joaquim Barbosa, Ayres Brito, Carmen Lúcia, o indizível Luis Roberto Barroso, de Procuradores Gerais, como Antonio Fernando de Souza, Roberto Gurgel, Rodrigo Janot, todos encantados com seus novos poderes, e sem um pingo de responsabilidade em relação à Constituição, às leis, ao país. E, principalmente, devido à cegueira generalizada da mídia, só percebendo o monstro que criara quando de suas entranhas nasceu essa figura pública disforme de nome Jair Bolsonaro.
O século do Judiciário gerou a maior ameaça à  democracia desde a ascensão do nazismo. A lógica é a mesma: a legitimação dada pelo clamor das turbas, derrubando leis, Constituição, calando os críticos, exterminando as oposições e impondo o populismo penal, sem freios nem contrapesos. E com procuradores se comportando como milícias vingadoras, sem estarem submetidos a nenhuma forma de freio.
Hoje o Brasil está mergulhado em uma luta entre corporações, com o caos institucional se espalhando por todos os poros do Estado.
Espera-se que, vendo a bocarra escancarada da barbárie, Ministros, juizes, procuradores, políticos, jornalistas de bom senso acordem a tempo de evitar o caos final.
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