O crescimento do PIB foi aprisionado pela bolha especulativa
Wilson Luis
Muller, Jornal GGN
Apesar do pibinho de 1% nos últimos
anos, os bilionários estão satisfeitos. O que deixam de ganhar investindo na
economia, eles ganham em dobro especulando na bolha-bolsa.
Reproduzo
algumas manchetes e trechos de reportagens pinçadas das mídias a partir do
segundo semestre de 2019.
“A XP e seus similares no mercado precisam inflar a bolha do
mercado de ações, APESAR da retirada em massa do investidor estrangeiro da
bolsa brasileira; saíram US$43 bilhões de capital estrangeiro em 2019,
obrigando o BC a torrar 10% das reservas internacionais em 2019, US$37 bilhões
e apesar da chocante queda da produção industrial em novembro e dezembro de
2019, um sinal claro de retrocesso, recessão e falta de vigor da economia.”
(André Motta Araujo)
“Lucro das empresas com ações na Bolsa cresce
73% no 2º trimestre; o setor com maior lucro foi o
dos bancos, com ganho de R$ 22,73 bilhões.”
“No país dos juros recordistas, o que tem sustentado a Globo são
as receitas financeiras. No consolidado do grupo, as receitas financeiras
saltaram de R$ 943 milhões para R$ 1,06 bilhão em 2018.” (Luís Nassif)
Terceiro trimestre de 2019: … “dos quatro maiores bancos com
ações na Bolsa […] na comparação com o mesmo período de 2018, […]o Banco Banco
do Brasil teve lucro líquido contábil de 4,256 bilhões no período, alta de
34%.” (Nota
do autor: com lucratividade em alta, o Banco do Brasil entra com prioridade na
fila de privatizações).
20 maiores lucros do
terceiro trimestre de 2019 de empresas que investem na bolsa: “as oito empresas
que lideram o ranking são dos setores de petróleo, mineração, bancos (cinco
entre os oito de maior lucro) e bebidas.”
20 maiores prejuízos do
terceiro trimestre de 2019 de empresas que investem na bolsa:” a lista é
encabeçada pelos setores de papel e celulose, siderurgia e metalurgia, química,
energia elétrica, transportes e serviços, comércio, veículos e peças,
agricultura e pesca, imobiliário, construção.”
Arrecadação federal em novembro 2019: “Os maiores
saltos de arrecadação […] e Imposto de Renda de pessoas
físicas, com alta de 31% no mês, é explicada em boa parte pelos resultados da
bolsa de valores, que teve ampliação do número de investimentos.”
Vamos tentar dar um sentido lógico para essas informações,
fazendo algumas perguntas bem elementares e dando respostas objetivas.
Por que os bancos têm lucros cada vez mais elevados numa
situação em que a economia e a maioria do povo passam por uma grande crise?
Resposta: porque os bancos investem na bolsa de valores, que vem
tendo altas recordes.
Porque a bolsa está subindo tanto se a economia e o povo vão
mal?
Porque vários setores deixaram de aplicar na produção por
causa da crise crônica. A indústria é um exemplo típico. A indústria hoje está
17,1% menor do que no período pré-golpe (IBGE, 2011). Setores do agronegócio
começam a seguir o mesmo caminho dos industriais.
Por
que os industriais estão deixando de investir na produção para investir na
bolsa de valores?
Porque o PIB cresce apenas 1% ao ano. Essa pequena geração
de riquezas é toda apropriada pelos bilionários, que estão ficando mais ricos
enquanto 99% do povo está ficando mais pobre. O povo empobrecendo,
diminui o consumo. Sem consumo não há razão para aumentar a produção. Além
disso, os governos Temer e Bolsonaro retomaram o ultrapassado alinhamento
submisso com os Estados Unidos, afastando importantes parceiros comerciais que
compravam os produtos brasileiros. A balança comercial começa a cair, trazendo
menos dólares para o país. Tem ainda a destruição ambiental promovida pelo
governo Bolsonaro que também afasta compradores do mundo civilizado.
Por que a mídia empresarial faz propaganda para a bolsa?
A mídia corporativa depende da bolsa para aumentar seus lucros.
Funciona como uma empresa qualquer, como um banco, não tem compromisso com
jornalismo de verdade. Muitas empresas, conforme manchetes e reportagens acima
reproduzidas, salvam seu lucro por causa da bolsa. Se dependessem de suas
atividades operacionais normais – linha de produção – estariam no
prejuízo. A bolsa, para ser lucrativa para os bilionários, precisa ter volume
de investimentos. Esse volume é trazido pela propaganda dos “garotos do
mercado”, que convencem milhões a levarem as suas economias para o altar
sagrado do capitalismo, onde o suor de muitos é incensado para se transformar
na fumaça que leva os bilionários para uma dimensão paralela onde eles perdem
contato com a realidade econômica e social do país.
(Esses milhões de pequenos investidores que são arrastados para
dar volume são conhecidos no jargão dos operadores da bolsa como pica-paus. A
vida desse pássaro é orientada pelo fascínio que um pedaço de madeira exerce
sobre seus sentidos, prometendo a existência de um manjar de deuses no
interior de um pau oco. Essa visão fascinante o anima a se agarrar no pau
e martelar freneticamente com seu bico. De vez em quando a sorte lhe
sorri e ele encontra uma larva gorda e suculenta. Por causa desse prêmio
esporádico, ele passa a vida dando marteladas em tocos secos, mesmo que na
maior parte do tempo suas energias (economias) sejam gastas à toa, fazendo dele
o pássaro de cabeça mais dura dentre todos que se conhece.)
Mas por que o PIB cresce somente 1% ao ano?
Mas por que o PIB cresce somente 1% ao ano?
Porque, apesar do pibinho de 1% nos últimos anos, os bilionários
estão satisfeitos. O que deixam de ganhar investindo na economia, eles ganham
em dobro especulando – com o seu dinheiro, e também com as economias de
milhões de pica-paus – na bolha-bolsa. O que acontece com o povo não é um
problema deles.
Mas
não prometeram crescimento de 2,5 % vários anos seguidos, desde 2016, para
derrubar a Dilma?
Sim. Mas deu uns probleminhas na reforma trabalhista que não
trouxe o crescimento prometido, com a reforma previdenciária também, com as privatizações
e leilões também, os investidores não tem se interessado em investir no país,
mas tudo pontual. Mas de agora em diante vamos crescer 2,5% ao ano, dizem eles.
Mas de novo 2,5%? De onde vem esse número?
Não façam perguntas difíceis. Alguém chuta o número e todos
repetem. Quando chega nesse ponto, alguém grita que isso é uma previsão
do mercado. Pronto. É simples, tem que ter fé no deus mercado, não torcer
contra, ele age por conta própria, mas sabe o que faz e o que é bom para você.
Se der algum probleminha de novo, no ano que vem a gente explica.
Bem
didaticamente é assim que a coisa toda funciona. A propósito de como são
elaboradas – não tão cientificamente – as previsões para o crescimento do PIB,
ver meu artigo “As previsões de crescimento do PIB são uma farsa”.
Os pica-paus tem que torcer para que os de cima continuem
ganhando bilhões para que a bolsa não quebre e não leve as suas economias
junto; talvez com sorte caiam para baixo algumas larvas – ops! migalhas. Assim,
graças à bolsa, a ideologia de que todos podem ficar ricos se transmuta na
máxima de que os ricos precisam ficar bilionários para que os de baixo,
arrastados para dentro da bolha, não percam tudo. Melhor dos mundos. Pros de
cima, evidentemente, pois sequer precisam se preocupar com a propaganda do
fabuloso negócio.
Em síntese, a bolsa sobe impulsionada com lucros que não guardam
relação com a economia real. E nesse movimento de lucros fictícios, os garotos
do mercado acabam arrastando para a vida especulativa milhões de pequenos
investidores, os pica-paus, convencidos esses de que não há negócio melhor na
vida.
Apesar da economia real estar estagnada, a arrecadação federal
consegue manter níveis compatíveis de arrecadação, graças ao imposto incidente
sobre os lucros obtidos na bolsa, retidos e recolhidos imediatamente aos cofres
públicos, sem possibilidade de serem sonegados ou terem seu recolhimento
postergado.
Combinado
então que desse jeito fica bom para todo mundo.
Numa rápida análise, percebe-se que o único dinheiro aplicado na
bolsa, originário da atividade produtiva, são as economias aplicadas pelos
milhões de assalariados e pequenos e médios empresários. Os demais, os grandes
investidores, estão reaplicando os lucros que obtiveram no giro do dinheiro
fictício. Como o dinheiro não se reproduz por geração espontânea, apenas por
ser reaplicado sucessivamente na bolsa, é evidente que parcela expressiva
desses novos e sucessivos lucros é uma transferência das economias do pessoal
da base da bolha. Claro que uma parte dos ganhos também resulta de decisões de
alguns mais espertos e poderosos, considerados os bem informados,
residentes quase todos em lugar outro que não na pátria mãe da bolsa gentil,
decisões essas que eles tomam de que a vez de subir na bolsa é da empresa
A para baixar o valor da empresa B.
Assim, ficam todos presos à bolha da bolsa, todos
dependendo de que ela continue subindo indefinidamente, sem que nada de novo
seja produzido nem inventado, que a indústria continue andando na marcha ré,
exemplo que está sendo seguido de perto pelo agronegócio, setor que ainda há
pouco apresentava alguma pujança. Sabe-se lá até quando esse setor resistirá
até passar a adorar em primeiro lugar a bolsa, para depois lentamente abandonar
de vez a atividade produtiva.
O
assunto é tão sério, e tão inatacável, que em breve será proibido fazer
qualquer crítica à bolha especulativa. Pois é grande o risco de muitos dos
impressionados pelo lucro fácil da bolsa se darem conta de que não é possível
gerar riqueza a partir de algo imaterial. Ao se espalhar essa impressão, passa
a ser grande a chance da bolha explodir, levando a quebradeira para todos os
rincões. Evidentemente, antes que a quebra aconteça, os que controlam a bolha
movimentarão seus bilhões – bora lugar seguro! -, de modo a ficar
acertado que apenas os milhões de pequenos e médios pica-paus sejam os únicos a
perder suas economias.
Os bilionários terão recebido informações privilegiadas para
executarem seu prudente movimento em momento propício. É para isso que se paga
comissões generosas para as xispê das reuniões secretas com procuradores e
ministros do supremo, quiçá com outras renomadas autoridades monetárias.
Enfim, é esse novelo mágico, luminoso e nebuloso a um só tempo,
que projeta os “garotos do mercado” a serem também eles novos bilionários,
comendo apenas pelas beiradas como convém aos sócios menores do grande
empreendimento da geração artificial de riqueza.
Como toda bolha, é certo que um dia irá estourar. Quando isso
irá ocorrer? Os pica-paus receberão notícias a respeito disso depois que os
bilionários, talvez com espaço de algumas horas de diferença. Tempo suficiente,
em todo caso, para uns se darem bem e outros perderem tudo.
Wilson Luiz Müller –
Membro do Coletivo Auditores Fiscais pela Democracia (AFD)
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