Conversar
faz bem
Luciano Siqueira
Conversei com Miguel Arraes por
uns bons vinte e quatro anos. Com João Amazonas, nas minhas idas a São Paulo
para as reuniões da direção nacional do PCdoB, não sei a conta ao certo – mas conversei
o suficiente para aprender muito.
Conversar faz bem, em qualquer
circunstância – desde que com gente com quem podemos saber algo.
Não apenas como esses dois
destacados líderes políticos. Aprendo muito com pessoas simples que atendo em meu
gabinete e com os que me abordam na rua. Basta ouvir com atenção, mesmo que a
gente discorde de quem está nos falando. Como vê a vida, o estado de ânimo, os
interesses imediatos, que raciocínio usa para justificar o que pensa...
Minha mãe Oneide, muito
católica, dizia que não ouvir com atenção era uma “falta de caridade”.
Levei essa assertiva em
consideração a vida inteira, quando tentei ser um bom médico e na militância
política, que se confunde com minha própria vida.
“Converso” muito também com
autores que leio. O livro ou mesmo um artigo, ou uma crônica, ou um poema eu os
considero diálogo do autor com o leitor.
Imagino muitas conversas que
não tive e que gostaria de ter tido. Outras tantas que não sei se terei tempo
de vida ainda para tê-las.
Com Renato Rabelo, dirigente
comunista exemplar, de enorme lucidez e descortino estratégico, gostaria muito
de conversar mais. As circunstâncias não têm me dado esse prazer. Seguiria aprendendo
com ele mais do que já aprendi.
Na militância política, toda conversa
tende a ser interessante. Quando se dá entre aliados, há que como duas
conversas simultâneas: a que é explicitada com palavras e a que vem
subentendida. Ler as duas é uma arte. E um aprendizado.
Mas há também espécimes
políticos que já alcançaram postos de grande relevo, em geral por força de circunstâncias
muito particulares, com os quais a conversa não prospera. Gente que quase nada
tem a dizer, salvo o que enxerga a alguns centímetros além do nariz e o que alimenta
como projeto pessoal.
Certa vez, após um encontro com
um então proeminente aliado do PCdoB em Pernambuco, João Amazonas disparou: “Como
diria minha filha, esse nem conversa tem!”
Tinha mesmo não. Nunca teve,
apesar do sucesso eleitoral.
Já na casa dos setenta e sem
ambições pessoais, tendo a militância no Partido como fio condutor, nem posso
imaginar o tempo de vida que tenho pela frente. Por isso peço para não cumprir
certas tarefas que me exigem tempo de elaboração prévia, como voltar a dar
aulas nos cursos de formação de quadros e militantes, pois tenho muito que ler
e ainda muitas conversas pela frente.
Tenho urgência em ouvir e
aprender. Inclusive com meus netos.
[Ilustração: Toulouse Lautrec]
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