27 maio 2020

Palavra de poeta


Atalho
Jacqueline Torres

Gosto dos caminhos
das poças, dos poços, dos ímpares
dos néctares das palavras
amálgama, crepúsculo, chuva
Gosto das estradas
cascalhos, beirais, pardais
subidas
Gosto dos atalhos
dos rastros, dos estranhamentos
    do incorreto.
As palavras inventam minha manhã
desinventam meu gosto
e lhe dão gesto de asas de passarinho
E eu apelido as estradas
de palavras inventadas
E gosto das coisas insignificantes
    mais cada vez
É sempre o vento fiando linha
de uivos sibilantes e dedos finos
    no meu telhado
Lá fora os sinos perfuram alfinetes
    na pele da manhã
E eu continuo gostando das poças,
das estradas e dos atalhos
E nas folhas verdes que me confidenciam
    segredos antigos
‘alcanço a gramática das coisas simples’
Tenho jeito não
    para a sofisticação
para pomposos sapatos
para solenidades sem pássaros,
sem batente de quintal
sem lodo comendo a pedra
sem sol laranja à janela.

Gosto dos atalhos
    que a natureza coisificou aqui dentro
das pedras sorrindo diurnas em mim
Do pensamento peninsular
    dentro do ventre do vento e da terra
Donde brotam verdinhas
    as palavras que me deixam nobremente
ser insignificante e risonha
feita de chão
    e aragem de sol.

Jacqueline Torres é educadora, militante comunista, ativista do movimento feminista, membro da Academia Pesqueirense de Letras e Artes - APLA; da Sociedade dos Poetas e Escritores de Pesqueira - Sopoespes; e do movimento de mulheres Sertão Poética

[Ilustração: Robertto Botelho]

Fique sabendo https://bit.ly/3c6HtLo

2 comentários:

Unknown disse...

Que coisa mais linda Jack, belíssima Poesia!👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👍 Parabéns!!😍😍😍😘😘😘😘

José Pinheiro disse...

Parabenizo a autora Jacqueline Torres, pela grandiosa sensibilidade descrita no poema Atalhos! Interpretei fazendo uma analogia com o momento no qual estamos passando neste 2020, no tocante os verdadeiros valores das coisas, os mais puros sentimentos, às amizades, à família , o ar que respiramos, o sol que nos dá energia é vida é que por meio dos " atalhos " da vida e na observância dos seus detalhes, podemos descobrir e corrigir coisas que realmente dão sentido à nossas vidas. José Pinheiro, São Paulo, Capital.