27 maio 2020

Choque de interesses


Anúncio em apoio a Salles aprofunda divisão no setor agrícola brasileiro
Valor Econômico

A divisão entre o agronegócio exportador, de um lado, e produtores e entidades mais conservadoras, de outro, aprofundou-se ontem, com a publicação de um anúncio em apoio ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. No áudio da reunião ministerial de 22 de abril, Salles disse aos outros membros do governo que num momento em que a imprensa está ocupada com a pandemia, há oportunidade de “soltar a boiada” e produzir medidas que relaxem a legislação ambiental. A fala repercutiu muito mal entre compradores de produtos agrícolas brasileiros e investidores no exterior.
Assinam a peça publicitária “No Meio Ambiente, a burocracia também devasta” a Unica, a Sociedade Rural Brasileira (SRB) e a Aprosoja, além de associações de produtores. Também a subscrevem vários sindicatos da construção civil, lojistas e da indústria de cosméticos e de turismo.
Questionadas por ONGs, Natura, Avon e o Beach Park responderam que não foram consultadas pelas entidades setoriais que assinam a nota e manifestaram repúdio à iniciativa. “Condenamos a agenda burocrática que utiliza a bandeira ambiental como instrumento para o travamento ideológico e irrazoável de atividades econômicas cumpridoras das leis e essenciais ao desenvolvimento do país”, diz o anúncio, que constrangeu grandes exportadoras”.
“O anúncio chama mais a atenção pelas entidades que não estão do que pelas que assinam”, disse ao Valor uma fonte do setor. “Algumas entidades assinaram, creio, por temer represálias do governo”, comentou outro.
Entidades do agronegócio exportador de grãos, algodão, cítricos e café não assinam o anúncio.
Não são recentes as divergências entre grandes produtores rurais e agroindústrias em relação ao discurso e à política do governo de Jair Bolsonaro para questões ambientais. As diferenças afloraram desde a posse do presidente e de Salles - e são cada vez mais nítidas. E isso basicamente porque as agroindústrias que fazem parte de cadeias exportadoras como grãos e algodão, carnes, café e suco de laranja sabem que seus clientes em outros países, sobretudo no mercado da Europa, estão mais exigentes com a sustentabilidade da produção, e o mesmo acontece com grandes fundos de investimento dispostos a jogar suas fichas no setor. Ao mesmo tempo, muitos grandes agricultores mantêm inabalável uma posição que, para muitas tradings, já perde sustentação: a de que o mundo precisa comer e que o Brasil, produtor de alimentos que é, tem que se valer dessa posição privilegiada para falar mais alto nas mesas de negociação.
“Acontece algo parecido no caso da China, principal destino das exportações do agronegócio brasileiro. Declarações pejorativas de integrantes do alto escalão do governo sobre o país não estão ajudando as cadeias exportadoras de grãos e carnes. Nesse caso, parece que agroindústrias e produtores têm posições parecidas: não mexam com a China”, afirma ele.

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