28 maio 2020

Quem quer juntar e quem teima em dividir


Entre o espelho e a linha do horizonte
Luciano Siqueira

Caminhamos para uma quase unanimidade de vastos setores da sociedade brasileira quanto à imperiosa necessidade de interromper o governo Bolsonaro.
Mas estamos muito distantes ainda de encontrar o veio por onde se canalize, de modo convergente, ideias e propósitos e alternativas para uma solução institucional hábil para esse intento.
O presidente e seus seguidores controlam o poder executivo, aonde chegou através do voto. Governa com participação direta de mais de dois mil militares de diversas patentes, dentre os quais generais ainda na ativa. Comete diatribes e leviandades cotidianamente, porém serve aos interesses do rentismo e do imperialismo norte-americano ao qual oferece o Brasil como aliado incondicional.
Por palavras e atos, enquanto a equipe econômica esperneia para manter o figurino ultraliberal, apesar da grave crise sanitária entrelaçada com a débâcle da economia, o presidente fala para pouco menos de 30% da sociedade brasileira que constituem sua base de apoio. Uma horda sensível a ideias e práticas fascistóides, mobilizada pelas tais milícias digitais. Perde apoios, mas preserva força para permanecer.
O campo oposicionista, na outra ponta, ainda não se aglutinou em torno de um plano de emergência para socorrer a economia e os que vivem do próprio trabalho e preservar a democracia. Carece de maioria parlamentar — para um impeachment no curto prazo, por exemplo.
Como disse Renato Rabelo, presidente da Fundação Maurício Grabois em debate recente promovido pela CTB, o jogo está empatado — e urge lutar para desempatá-lo.  Com descortino, amplitude e sagacidade.
Porém no meio do caminho há algumas pedras. Dentre elas, quase na dimensão de um imenso rochedo a impedir o livre trânsito dos que pugnam por uma solução para a crise, aqueles que não enxergam o drama nacional que não seja rigorosamente a partir do próprio umbigo e de uma suposta obrigatoriedade de preservação da hegemonia e de uma liderança suprema. Olham para o espelho e não vislumbram a linha do horizonte.
Isto em contraste com a ampla convergência de governadores e prefeitos de capitais e cidades grandes e médias, que têm sido capazes de enfrentar com altivez a presidência da República; e com articulações igualmente plurais e amplas, como a das centrais sindicais e entidades do campo democrático.
Hegemonia se conquista com méritos. E se perde por demérito.
Num instante em que se faz absolutamente necessário juntar forças, sem sectarismos nem preconceitos, mover a metralhadora giratória a fim de acertar contas com desafetos de todos os matizes e purgar ressentimentos leva a lugar nenhum. Contribui para a continuidade da crise e dos males dela decorrentes.
[Ilustração: Roberto Botelho]

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