05 junho 2020

Dolorosa solidariedade


A dor de Mirtes e Marta
Lúcia de Andrade Siqueira (Neguinha)

Esse caso da morte do menino Miguel é tão chocante que demorei a processar não só a notícia como toda a violência contida nesse episódio. Parece que a cada nova informação eu tomava um golpe e a respiração faltava.
E se fosse Alice? Esse foi o meu primeiro pensamento, hoje depois de muito refletir percebi que talvez não acontecesse com Alice e escrevi esse texto.
Dizem que a dor de uma mãe é sentida por todas.
Pura falácia.
Apesar de me solidarizar com a dor de Mirtes e Marta pela perda do filho e neto, de ter ficado com o coração apertado e com dificuldade de respirar, eu não tenho a dimensão de toda a dor que elas sentem agora. 
Eu não tenho a dimensão de toda a dor de Mirtes e Marta porque nasci numa família de classe média e tive oportunidades que elas nunca tiveram.
Eu não tenho a dimensão de toda a dor de Mirtes e Marta porque pude ficar em casa durante a pandemia cuidando dos filhos junto com meu companheiro.
Eu não tenho a dimensão de toda a dor de Mirtes e Marta porque se tivesse sido infectada pelo Covid-19 eu não me sentiria obrigada a continuar trabalhando. 
Eu não tenho a dimensão de toda a dor de Mirtes e Marta porque se meus filhos estivessem naquele apartamento eu não seria obrigada a passear com o cachorro e deixá-los aos cuidados de outra pessoa.
Eu não tenho a dimensão de toda a dor de Mirtes e Marta porque se a minha pequena de 6 anos fizesse birra ou chorasse desejando a minha companhia a "cuidadora" teria mais paciência.
Eu não tenho a dimensão de toda a dor de Mirtes e Marta porque nenhum dos meus três filhos (Pedro, Miguel ou Alice) caso precisassem pegar o elevador naquele prédio, não se deslocariam pelo elevador de serviço.
Eu não tenho a dimensão de toda a dor de Mirtes e Marta porque caso os cuidados com a minha pequena tivesse sido negligenciado e isso tirasse a vida dela (ai que dor), provavelmente o nome da pessoa negligente seria divulgado na mídia.
Eu não tenho a dimensão da dor de Mirtes e Marta, porque sou uma mulher branca e de classe média e meus filhos são brancos e de classe média, e parece que as nossas vidas importam mais que as vidas de Mirtes, Marta e MIGUEL.
Para Mirtes e Marta, um abraço apertado recheado do meu esforço de empatia e solidariedade.

Um comentário:

Carmen disse...

Li agora seu texto Neguinha, perfeito em sua inteireza, muito sincero e verdaeiro. Não existe medida para dimensionar a dor de perder um filho.