Será que a falta de futebol devido à pandemia mostrou sua
desimportância?
Jamais passou pela minha cabeça
que ficaria cem dias longe de minhas netas
Juca Kfouri, na Folha de S. Paulo
O argentino Jorge Valdano, 64, brilhou no ataque do Real Madrid
onde foi bicampeão europeu em 1985 e 1986. Ganhou até o prêmio de melhor
jogador estrangeiro da temporada.
Como
treinador madridista, venceu o Campeonato Espanhol de 1995 e, depois, assumiu a
direção de futebol do clube merengue.
Campeão
mundial pela Argentina na Copa de 1986, quando marcou quatro gols, um deles na
final contra a Alemanha, tem também um título argentino pelo Newell's Old Boys,
em 1974.
De
sete instrumentos, além de comentarista e de belo programa de entrevistas na
TV, "Universo Valdano", é colunista do El País.
Brilhante
colunista, tão bom que se pode dizer que é o Tostão do
jornal espanhol.
É
dele, em fins de maio, o texto que segue, quando a pandemia ainda
impedia a volta do futebol na Espanha.
"Há uma corrente de opinião que está crescendo, à qual
adere gente que desconfia do futebol e que diz algo indiscutível: passamos três
meses sem futebol e não aconteceu nada. 'Podemos viver assim', asseguram.
De
fato, o mundo seguiu girando, indiferente.
Ninguém
convocou manifestações para sua volta e não se sabe de nenhum suicídio por sua
ausência.
Está tudo certo.
Está tudo certo.
Devo
dizer, além do mais, que em muitas ocasiões o futebol dá motivos para que
desconfiemos de sua ganância consumista, da violência sempre latente, e às
vezes explícita dentro de si, e de sua onipresença nos meios de comunicação.
Mas,
como parte da indústria do entretenimento, o futebol existe para nos divertir.
E para despertar emoções comunitárias que de outro modo estariam adormecidas.
Estou
sem ver futebol o mesmo tempo que estou sem poder beijar meus netos. E tampouco
aconteceu nada.
Exceto
que, sem vê-los, vivo infinitamente pior."
Sou
capaz de apostar que Tostão assinaria embaixo.
E não tenho a menor dúvida em dizer que assino, embora, no meu
caso, que não joguei como Valdano e Tostão, nem muito menos fui campeão do
mundo como os dois, o peso da abstinência do futebol seja menor que o da
saudade de minhas netas.
Jamais
passou por minha cabeça que ficaria 100 dias sem tocá-las e não sei o que seria
de mim se não existisse o tal do FaceTime, meio pelo qual as atormento
diariamente.
Já
pensei em cometer todas as irresponsabilidades possíveis, mas as duas, Luiza e
Julia, de 15 e 12 anos, parecem mais responsáveis que o avô.
Entendo
o sentimento de culpa que teriam, o mesmo de meus quatro filhos, se depois de
uma visita o danado do vírus me pegasse ou a avó.
Duas
adolescentes mais responsáveis que a cartolagem
açodada em voltar com o futebol no Brasil longe de controlar a
pandemia.
Fossem
elas apenas mais responsáveis que os cartolas e nem seria surpreendente, diante
da tradição dos ditos cujos.
Terrível
é constatar que têm mais juízo e sensibilidade que o ogro do Palácio do
Planalto.
Capaz
de fazer demagógico discurso político no velório de jovem paraquedista, incapaz
de fazer gesto algum para as famílias de mais de 50 mil famílias enlutadas pela
pandemia que ele ajuda diariamente a ficar mais grave.
Assim
como não faz um aceno aos profissionais da saúde que tentam minimizar
diariamente a catástrofe.
O
mundo seria melhor sem os cartolas do nosso futebol.
Incomparavelmente
melhor se com mais Valdanos e nenhum, rigorosamente nenhum, Bolsonaro.
Ainda
mais com as netas por perto.
E
futebol.
Amizades dão emoção à vida https://bit.ly/3eQE5WQ
Nenhum comentário:
Postar um comentário