Entregando comida, passando fome: a realidade dos
entregadores de apps
Parte da nova ‘economia gig’, os entregadores de aplicativos fazem um
dia de mobilização para pedir aumento do valor das corridas, fim de bloqueios
indevidos, seguro de vida, entrega de EPIs e licença remunerada para os que se
contaminam, entre outras reivindicações.
Grazielle
David, portal Vermelho www.vermelho.org.br
“É tortura passar fome carregando comida nas costas”. Galo, um
dos líderes do movimento, é quem diz essa frase em um vídeo-desabafo
impactante, após ter sido punido por cancelar um pedido porque o pneu da sua
moto furou.
Sem vínculo empregatício, sem
direitos trabalhistas, sem remuneração adequada e também sem adequada proteção
social vinda do Estado, grande parte da população vive condições precárias de
trabalho, entradas e saídas frequentes da condição de pobreza; além de sofrer
com a ampliação das desigualdades e a redução de direitos.
A pandemia de Covid-19 chegou
para escancarar os efeitos desse novo modelo econômico e trabalhista, de uma
“economia gig” desregulada e de um Estado cada vez mais ausente em seu dever de
garantir de direitos. É nesse cenário que se estrutura a greve nacional de
entregadores por aplicativos em todo o Brasil, o #brequedosapps.
Economia GIG
Os serviços baseados em
aplicativos fazem parte de uma nova estrutura de trabalho categorizada como
“economia gig”. Se pensarmos que o mercado de trabalho é um espectro, de um
lado estão os servidores públicos e os empregos corporativos tradicionais, com
CLT; e no outro extremo, os desempregados. No meio, a grande variedade de
trabalhos alternativos, agora chamados de “economia gig”. Pode incluir
trabalhadores contratados, parciais, independentes e autônomos (Mulcahy, 2018).
A economia gig ainda está em
seus primeiros estágios de mudança na forma como o trabalho e o capitalismo são
organizados. Apenas uma geração atrás, a maioria dos trabalhadores esperava ser
contratada para empregos em tempo integral e permanecer muitos anos trabalhando
para a mesma organização. Para a nova geração, as perspectivas são diferentes.
À frente deles, não há mais muitos cargos estáveis, eles podem esperar ficar
pouco tempo em cada trabalho e provavelmente terão remuneração menor (Gould,
2014).
Uma das maiores características da economia gig no momento são
os serviços baseados em aplicativos. Os mais tradicionais são os aplicativos de
transporte, como Uber e Cabify, e os aplicativos de entrega de comida como
Ifood, UberEats, Rappi.
Um estudo da McKinsey (2016)
mostra que a entrega de alimentos por meio de aplicativos on-line atingiu em
2016 globalmente 30% do mercado total de entrega de alimentos. E eles acreditam
que seguirá aplicando, chegando eventualmente a 65% ao ano. No Brasil, passou
de 10% para 30% nesses meses de pandemia.
O surgimento da economia gig
baseada em plataforma está situado em debates mais amplos sobre o futuro do
trabalho (Healy et al., 2017). Há visões polarizadas sobre as implicações
dessas novas formas de organização do trabalho para os trabalhadores e para a
sociedade.
Alguns (por exemplo, Mulcahy, 2017) defendem que existe um
potencial do trabalho gig de melhorar a flexibilidade do mercado de trabalho e
reduzir a pobreza, enquanto os críticos (por exemplo, Stewart e Stanford, 2017)
argumentam que isso irá corroer a segurança de renda, as condições de trabalho
e os direitos trabalhistas. E que poderia aumentar a desigualdade, além de
guiar para um cenário de polarização de renda.
Regulação
Para que as demandas dos entregadores sejam
atendidas, uma primeira medida essencial é que exista transparência por parte
dos aplicativos. Os dados sobre perfil de entregadores, horas trabalhadas,
remunerações e benefícios devem ser públicos. Igualmente devem ser
transparentes os dados financeiros dessas empresas, com destaque ao lucro
auferido e aos beneficiários finais. A partir disso, serão possíveis a
realização de estudos e o desenho de políticas públicas que promovam um
ambiente de negócio e trabalho mais adequados.
As demandas são: aumento do valor das corridas, aumento do valor
mínimo por entrega, o fim dos bloqueios e desligamentos indevidos, seguro de
vida e de roubo, o fim do sistema de pontuação e auxílio pandemia – com entrega
de EPIs e licença remunerada para os que se contaminam.
Compensa conhecer iniciativas
em outros países que têm buscado uma regulação dos aplicativos de entrega. Nova
Iorque tem trabalhado com valor mínimo por hora adequadamente calculado
considerando manutenção do meio de transporte e tempo disponível ao aplicativo
ainda que não em rota (Parrot, 2018). Demandas de valor por corrida, seguro
roubo e regras de bloqueio e desligamento do aplicativo também podem ser
construídas entre aplicativo e entregadores, com regulações mínimas para que os
direitos dos trabalhadores sejam resguardados.
Proteção social
Outras demandas do
#brequedosapps como seguro de vida e licença por doença poderiam ser
consideradas de forma mais ampla, dentro da lógica de seguridade social. Ainda
que não ocorra vínculo via CLT entre aplicativos e entregadores, seria ideal
que todos fossem beneficiários do INSS, para ter acesso também a outras
garantias trabalhistas, como direito a férias, aposentadoria,
licença-maternidade.
Cabe lembrar também que o avanço tecnológico tende a se ampliar
nesse setor e é possível que entregadores em um futuro não muito distante venha
a ser substituídos por drones ou outros veículos automáticos. Antecipando esse
fenômeno, é essencial que o Estado cumpra seu dever de garantir direitos
humanos e reduzir desigualdades e amplie sua rede de proteção social.
O que deve ser feito com
financiamento adequado, acesso e qualidade nos serviços públicos, como o SUS,
as escolas universidades públicas, os transportes públicos. Além da
estruturação de uma renda básica universal, que garanta uma renda de cidadania
frente a esses tempos de tantas transições e incertezas.(Fonte: Brasil Debate)
Desafios da realidade concreta https://bit.ly/3fd2YMs
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