A pandemia e
os cabeças civis e militares do governo movem-se na mesma direção
Bolsonaro
cometeu ato de improbidade ao ordenar produção, compra e distribuição de
cloroquina
Janio de Freitas, Folha de S. Paulo
Se restar um mínimo de respeito pelas leis e pela chamada coisa
pública, Jair Bolsonaro será processado para ressarcir o desvio e desperdício
de altas verbas. É a resposta legal às ordens abusivas e conscientes de sua
improbidade, para a produção, compra e distribuição injustificáveis, e
suspeitas, da substância
hidroxicloroquina.
O
argumento de que a ineficácia de cloroquina/hidroxicloroquina contra a Covid-19
provinha de pesquisas estrangeiras e duvidosas esvaiu-se, em definitivo. Está
divulgada a pesquisa
em 55 conceituados hospitais brasileiros com duas confirmações:
a da ineficácia e a dos efeitos colaterais indesejáveis daqueles produtos.
Já
mais do que consolidada a inutilidade da hidroxicloroquina para os contaminados
pela pandemia, por determinação de Bolsonaro os laboratórios do
Exército fabricaram ao menos 2,5 milhões desses comprimidos.
Somadas outras encomendas, como a de 4 milhões ao Farmaguinhos, o jornalista
José Casado chegou a 9,5 milhões de doses produzidas e compradas por decisão de
Bolsonaro, além dos 2 milhões de doses doadas pelo excedente dos EUA.
O próprio Bolsonaro tornou-se uma contrapropaganda ambulante da
droga que apregoa. Logo disse, quando forçado a admitir sua queda na
contaminação, estar se medicando com hidroxicloroquina. Mas os 14 dias da
persistência do vírus se passaram e Bolsonaro só
agora fala em teste negativo.
O
montante de gasto perdulário e deliberado de Bolsonaro não está revelado. Dois
ex-ministros da Saúde são testemunhas da improbidade insistente para se
comprometerem também, ou saírem.
Seja
qual for o gasto a que outros cederam, inclusive no Exército, está coberto com
dinheiro público. E a legislação prevê que gastos por improbidade, contrários a
pareceres autorizados, sejam reconhecidos como crimes e sujeitos a
ressarcimento às contas públicas.
Bolsonaro foi mais longe na improbidade. Acompanhado, nessa
extensão, por Paulo Guedes, pelo general do
Ministério da Saúde, Eduardo Pazuello, e pelos dois chefes que se sucederam
no Tesouro Nacional.
Em
paralelo ao gasto previstamente inútil com cloroquina/ hidroxicloroquina,
indica o Tribunal de
Contas da União que aqueles figurantes retiveram 71% da verba
disponível para combate à pandemia e socorro aos vitimados —sobretudo aos
carentes, que, mais uma vez, fazem a maioria dos mais atingidos. O dinheiro
aplicado não chegou a um terço do existente.
Aproximam-se os 100 mil mortos. O general especialista em
organização de abastecimentos faz faltarem até analgésicos, tão vulgares, para
os contaminados. Bolsonaro passeia de moto, programa atos reeleitoreiros, faz
indecente compra-e-venda de apoio no Congresso, bate papo com a claque. A
pandemia e os cabeças civis e militares do governo movem-se na mesma direção,
associados.
Mais
do que senso de justiça, é um saldo de senso de vergonha que pode impedir a
perpetuação dessa impunidade vagabunda. Covarde. Apátrida. Mas o saldo é
incerto, para dele dizer pouco.
POIS É, SÃO CANDIDATOS
As
manobras de Davi Alcolumbre para
se manter na presidência do Senado, expirado o seu mandato, viajam para o
Supremo. Seria melhor que acabassem no meio da rua. Não há esteio moral para
que o presidente da Casa de feitura das leis não se sujeite aos regramentos que
a vitalizam. E que devia ser ele a reger.
Aspirante
a trocar um auditório chacrinhoso pela Presidência da República —sinal de que
não lhe parecem muito diferentes—, Luciano Huck sumiu das páginas e da TV de
todos os dias assim que a crise política se acentuou. Nem uma palavra sobre
ela, sobre os Bolsonaro e Queiroz, sobre o descaso do governo com a pandemia. De repente se
faz lembrar, outra vez em página inteira (Folha, 20.7).
Com uma ideia nova: o Brasil pode ser a potência alimentar do mundo. Tema sem
lado. E novidade de mais ou menos 500 anos.
João
Doria arroga-se pronto para enfrentar os desafios do país. Mas não tem coragem
de enfrentar uma reunião com
organizações civis, artistas e outros, para conversar sobre o racismo implícito
na mortandade de negros pela Polícia Militar de São Paulo. Logo, esse racismo
não é só de PMs.
Enfrentando
a tragédia nacional https://bit.ly/2CwMpND
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