Era dos likes
José Luís Simões*
No livro “Era dos
Extremos - O Breve Século XX”, o renomado historiador marxista Eric Hobsbawm
disseca os principais fatos históricos que marcaram o século XX. O título “Era
dos Extremos” não é por acaso. Ora, o século XX foi marcado por guerras
mundiais, genocídios, crises econômicas, ditaduras sanguinárias, a pandemia da
gripe espanhola e outras epidemias, a chegada do homem à lua, o grande avanço
da ciência, da tecnologia e das comunicações como nunca se viu antes. Sim, os extremos
de bem e mal no bojo da civilização, na angústia humana entre “Ser” e “Ter”
estruturam o enredo histórico do século XX. O sistema capitalista e as relações
sociais voláteis também se consolidam.
Agora, tenho a
ousadia de apresentar uma breve reflexão sobre as primeiras duas décadas do
século XXI, que prefiro definir como “Era dos Likes”. A influência da internet
e das redes sociais marcam a ferro e fogo esse início do século XXI. Qualquer
internauta pode alcançar fama ou sucesso pessoal e financeiro se conseguir
acumular grande quantidade de seguidores ou “likes”. A disputa pela audiência
na internet é mais do que uma disputa de opinião, é uma corrida frenética e desmesurada
por mais cliques, acessos, prestígio nas redes sociais e consequente reconhecimento,
nem que seja por pouco tempo.
Há uma sanha na busca
dos 15 minutos de fama. O sistema capitalista cibernético fomenta esse
movimento, que ceifa a reflexão e, às vezes, descarta a ética e o bom senso.
Que tem mais likes, mais seguidores e audiência parece ter mais verdades sobre
os destinos do mundo, carrega a responsabilidade e o direito de ditar o
comportamento e o pensamento de milhões de pessoas, que repercutem imagens,
mensagens e vídeos, na maioria das vezes, sem verificar as fontes e sua fidedignidade.
As pessoas compartilham e repercutem porque está na moda, e assim justifica a
adesão às verdades líquidas, voláteis, que não duram sequer 24 horas.
A Era dos Likes
também pode ser percebida como a era da ignorância, do negacionismo e do
desprezo à ciência, à erudição e ao conhecimento. A perda da importância social
dos livros, paralelo à sobrevalorização do quantitativo de seguidores nas redes
sociais, é um fenômeno do momento que o mundo vive, do tempo que o Brasil experimenta
e agoniza. Jair Bolsonaro não tem bom senso nem razão nos debates (não está
preocupado em ter razoabilidade), mas ele tem seguidores e likes, e isso é o
que importa na sociedade de relações estéreis, pessoas ricas em “verdades”, mas
pobres em conhecimento.
Entretanto, temos que
reagir. A chama do bom senso e da busca da sabedoria não pode se apagar.
Historicamente, o amor e a sabedoria sempre venceram o ódio e o obscurantismo.
A Era dos Likes estimula a confusão, quer a ruptura com a serenidade e a
temperança. A Era dos Likes fortalece o sistema capitalista, que não tem
preocupação com o conteúdo de ideias compartilhadas, mas apenas no lucro ou
possibilidade de tirar alguma vantagem.
Quem cultiva a sabedoria
não precisa de aplausos, seguidores ou likes. Há de chegar a “Era da Sabedoria
e do Humanismo”. Vamos trabalhar para um novo tempo, um tempo em que todas as
pessoas tenham acesso ao conhecimento e à educação, e assim serão respeitadas,
protegidas e lutarão por dignidade, respeito e justiça social.
* Zé Luís Simões,
professor do Centro de Educação/UFPE
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