26 abril 2021

Palavra de poeta


Escrevi certa vez que a nossa tendência, depois de libertados, era comprimir num tempo cada vez menor o tempo que houvéssemos tido de prisão e ampliar em muito o pouco tempo que já tivéssemos tido de liberdade. Dava  então como causa do fenômeno – além de uma reação salutar do nosso mecanismo psíquico, cujo efeito reduz o mal e alarga o bem –  o fato de que na prisão os dias eram quase invariavelmente iguais. O quase fica por conta de um dia absolutamente especial: o dia das visitas. Ocorria nos sábados e era sem dúvida nosso diferencial. O dia em que nos sentíamos em contato com o mundo vivo, mexendo lá fora, sentindo–nos também um pouco mais vivos. O poema de hoje tem seu foco na contemplação e na lembrança de um desses dias.
Chico de Assis

 

VISITAS PATERNAS

Chegam simplesmente.

Sentam sorriem

pouco sussurram.

Às vezes soluçam.

 

Mãe e pai calados

talvez pensem atônitos

ser o silêncio 

a única ponte. 

 

Para encontrar 

entender reprovar

e principalmente amar

o filho. 

 

Depois voltam.

Deixam a sombra

na poeira que abraça 

o vento e o aceno.

 

[Ilustração: Joaquín Torres Garcia]

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Veja: A poética ousada e cativante de Joana Côrtes https://bit.ly/3xdnKW8

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