18 dezembro 2025

Fator de desequilíbrio global

A chegada de Trump 2.0 e a era da turbulência global
Yang Ping/Tricontinental 

A chegada do segundo governo do presidente Donald Trump tem criado grande turbulência. Em pouco mais de cem dias, seu governo reduziu drasticamente o tamanho do funcionalismo público, sinalizou uma rápida retirada da Ucrânia, lançou uma nova e agressiva guerra tarifária e traiu aliados tradicionais na Europa. As novas políticas de Trump mergulharam os Estados Unidos e o mundo no caos.

Como devemos entender os padrões de governo da era Trump 2.0? Quais fatores subjacentes estão em jogo por trás de seu comportamento aparentemente arbitrário? Que impacto a era Trump 2.0 terá sobre a China e o mundo? Como o mundo mudará em decorrência disso? Essas perguntas são urgentes e prementes para pessoas que estão tomadas por ansiedade em todo o mundo.

O período entre o primeiro mandato de Trump, em 2016, e o início da era Trump 2.0, em 2024, deixou claro que sua base política é formada pelos vastos segmentos marginalizados da sociedade dos EUA e pelos novos movimentos sociais conservadores de direita, impulsionados por esses grupos marginalizados. Trump não surgiu do nada, nem age por impulso; ele é um produto desse poderoso movimento ideológico e não sua causa. Para entender a lógica subjacente à ação de Trump, é preciso começar com sua base social e seu movimento ideológico.

Essa nova onda de conservadorismo de direita, que se espalhou amplamente nas sociedades ocidentais, difere do neoconservadorismo tradicional dos EUA. Ela é caracterizada por uma clara postura antiliberal, com manifestações externas como oposição à imigração, relativismo de gênero e livre comércio. Seus traços subjacentes, no entanto, refletem sentimentos antiglobalização, antidemocracia e antissistema. Ela não busca mais a universalidade dos valores liberais ocidentais nem acredita nas promessas de uma utopia liberal, mas, em vez disso, se recolhe aos EUA e prioriza o “America First”. Além disso, seus valores comportamentais em geral voltaram às tradições cristãs, principalmente às tradições fundamentalistas do cristianismo branco.

A ascensão arrebatadora do novo movimento conservador de direita decorre da disseminação desenfreada do capitalismo de livre mercado. Nos últimos trinta anos, desde o fim da Guerra Fria, houve uma expansão global imparável do capital e dos valores individualistas sob a bandeira do liberalismo. A ganância da burguesia norte-americana atingiu níveis nunca vistos, o que levou à exacerbação da desigualdade de renda, à erosão da moralidade social e ao desmantelamento da estrutura das comunidades. Nesse contexto, a sociedade precisava urgentemente de um movimento de proteção social para combater as forças do mercado. O novo conservadorismo de direita é um sintoma dessa necessidade de proteção social.

Sob a perspectiva da economia política marxista, o capitalismo é caracterizado por padrões cíclicos de expansão e contração. A acumulação excessiva se torna generalizada devido à superprodução, levando a um declínio na taxa média de lucro e perturbando o equilíbrio interno do capitalismo. Na era da globalização, em que as fronteiras nacionais são constantemente rompidas, esse movimento cíclico se manifesta como uma expansão rápida e desequilibrada em todos os cantos do mundo, impulsionando assim a ascensão das potências emergentes e o declínio das potências tradicionais. A nova ideologia conservadora de direita é uma característica do declínio das potências capitalistas tradicionais.

O novo conservadorismo de direita é uma ideologia social que surge durante o declínio do capitalismo liberal. Seu nascimento e desenvolvimento seguem certos padrões. Primeiro, seu surgimento se dá em escala mundial – é um produto da expansão global do modo de produção capitalista. Em segundo lugar, ele é duradouro – enquanto a diferença de riqueza e a desintegração das comunidades causadas pelo capitalismo liberal não forem resolvidas, a ideologia do novo conservadorismo de direita persistirá. A escala e a influência dessa ideologia são inversamente proporcionais às falhas de governança do capitalismo liberal. Em terceiro lugar, ela tem características locais – o novo conservadorismo de direita se combinará com a história e as condições nacionais de diferentes países, resultando em ideologias com características distintas. Em quarto lugar, ele tem as características de seu tempo – por exemplo, a nova direita na Europa de hoje não pode se opor abertamente ao sistema democrático, porque a democracia de estilo ocidental se tornou politicamente correta e negá-la teria um custo significativo.

Dada a natureza de longo prazo da nova ideologia conservadora de direita, a era Trump é apenas o seu início. Portanto, é extremamente urgente e necessário analisar seu relacionamento com o mundo e com a China.

A ordem mundial passará por uma reorganização drástica, e o caos se tornará a norma diante da nova ideologia conservadora de direita. Como os valores do novo conservadorismo de direita são antiliberais, as alianças lideradas pelos EUA com base nos valores liberais ocidentais se dividirão, e as relações entre amigos e inimigos no mundo ocidental mudarão. Os aliados tradicionais dos EUA buscarão autonomia estratégica e se afastarão da dependência. Algumas potências de médio porte do Ocidente formarão novas alianças. Ao mesmo tempo, o novo conservadorismo de direita que está surgindo em todo o mundo buscará estabelecer uma coalizão de valores de direita – especialmente entre os novos movimentos de direita nos EUA e na Europa – que forjará rapidamente conexões espirituais e materiais profundas. Nesse contexto, os países do Sul Global se verão marginalizados pelos novos EUA de direita, porque suas preocupações com desenvolvimento e segurança não serão priorizadas. Essa dura realidade forçará alguns países do Sul Global, que antes seguiam o Norte Global, a buscar novos caminhos. Mais importante ainda, conforme a nova ideologia conservadora de direita tome conta do mundo, as regras e normas que governaram o planeta desde o fim da Guerra Fria serão quebradas (ou até mesmo completamente destruídas). À medida que o mundo enfrentar o nacionalismo estreito do “America First”, as regras globais existentes deixarão de funcionar em grande parte, e será difícil estabelecer um novo sistema internacional. A eficácia das organizações internacionais, como a Organização Mundial do Comércio e a Organização Mundial da Saúde, sofrerá um declínio significativo.

Sob a influência da ideologia neoconservadora de direita, os países ocidentais são dominados pelo nacionalismo e pelo populismo, o que torna altamente provável que aconteçam conflitos entre nações e grupos étnicos. Em um ambiente internacional como esse, não é difícil imaginar que as contradições e os conflitos levarão à guerra. Para a China, a ascensão do novo conservadorismo de direita também apresentará desafios significativos e, ao mesmo tempo, oferecerá inúmeras novas oportunidades.

Primeiro, sob a influência da nova ideologia conservadora de direita, as relações externas da China passarão por ajustes profundos. Se o governo Trump continuar a ver a China como seu principal concorrente estratégico, então a UE – que antes priorizava os valores, tendo a diplomacia como seu primeiro princípio – se distanciará dos EUA e reajustará suas relações com a China para seu próprio interesse. Da mesma forma, os aliados dos EUA na Ásia, como o Japão e a Coreia do Sul, também ajustarão suas relações com a China em resposta ao fato de os EUA seguirem estritamente seus interesses nacionais.

Segundo, a natureza da luta entre a China e o Norte Global liderado pelos EUA mudará significativamente. O foco passará da luta ideológica, centrada nos conceitos ocidentais de “democracia, liberdade e direitos humanos”, para uma luta por interesses nacionais caracterizada pela política “America First”. Como o novo conservadorismo de direita é antiliberal e xenófobo, ele não tem mais a pretensão de ser universal e, portanto, perde significativamente seu apelo para a sociedade humana. Como resultado, a principal contradição da luta ideológica da China na política internacional deixará de ser uma luta de valores e passará a ser uma luta centrada em interesses nacionais.

Terceiro, a defesa da China de uma “comunidade de futuro compartilhado para a humanidade” é uma resposta profunda ao desejo crescente da sociedade humana por novos valores universais em tempos de grande turbulência. Com o lançamento da “Iniciativa de Desenvolvimento Global”, da “Iniciativa de Segurança Global” e da “Iniciativa de Civilização Global”, a China propôs um conjunto de valores capazes de substituir a decadente ordem liberal ocidental e traçar uma nova direção para a sociedade humana. Em um momento em que o novo conservadorismo de direita está disseminado nos EUA, a China deve defender ainda mais o conceito de “comunidade de futuro compartilhado para a humanidade” e fornecer interpretações político-econômicas e filosóficas das suas conotações teóricas profundas. O conceito deve ser teorizado e sistematizado para mobilizar o coração e a mente das pessoas nesta era de turbulência.

Finalmente, em um momento em que as relações entre amigos e inimigos estão passando por mudanças drásticas, a China deve aderir ao Sul Global como sua principal direção estratégica, unir a maioria dos países do Sul Global e formar uma “frente única” na nova era.1 O raciocínio por trás disso não é complicado. Os EUA não desistirão de sua intenção estratégica de conter a China, e a UE vacilará devido a seus valores liberais. Somente o Sul Global, especialmente os países que buscam romper com o mundo unipolar dominado pelos EUA, poderiam ser amigos da China na construção de um novo sistema internacional multipolar. A diferença entre essa estratégia e a estratégia dos “Três Mundos” de Mao Tse Tung está no fato de que a estratégia atual da China não é apenas a de criar uma vasta zona intermediária em meio à rivalidade entre os EUA e a União Soviética, mas a de liderar as nações do Sul Global na luta pela criação de um mundo multipolar igualitário e ordenado.

A chegada da era Trump 2.0 marca o início de uma grande era de caos, com a turbulência futura apenas se intensificando e superando constantemente nossas expectativas. Portanto, devemos estar preparados.

Nota

1frente única (tǒngyī zhànxiàn) constitui um dos pilares táticos do maoísmo: a política de alianças temporárias com classes heterogêneas — burguesia nacional, pequena-burguesia, setores patrióticos — contra o inimigo principal de cada conjuntura. Manifestou-se na aliança PCCh-Kuomintang contra os senhores da guerra (1924-27) e na resistência conjunta à ocupação japonesa (1937-45). Fundamentada na teoria maoísta das contradições, a tática permitiu ao PCC isolar adversários, acumular forças e ampliar sua base social além do proletariado urbano — fator decisivo para a vitória de 1949.

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