No Blog do Alon:
. Igor Gielow, da Folha de S.Paulo, produziu o que, na minha opinião, é a melhor análise até o momento sobre as circunstâncias e os desdobramentos militares da crise aérea. Leva o título Militares nunca engoliram Pires. Já o Kennedy Alencar vai no sentido oposto em sua coluna Brasília Online, com o competente texto Sem querer, Lula quebra tabu militar. Clique nos links, leia e decida você mesmo.
. Neste post vou comentar a tese do Kennedy. Resumida, é a seguinte: a Aeronáutica já havia perdido a autoridade sobre os controladores de vôo e a intervenção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de reafirmar a ascendência do poder civil sobre os militares, evitou o agravamento da crise nos aeroportos. Debater com o que o Kennedy escreve é sempre difícil. Mas vamos lá. Dois fatos não se encaixam nessa versão.
1) Desde o início da crise, há seis meses, o ministro da Defesa trabalha para reforçar politicamente os controladores de vôo e enfraquecer o comando da Força Aérea Brasileira (FAB). E o ministro da Defesa é subordinado ao presidente da República. Ou seja, o governo não esteve esse tempo todo num posto olímpico de observação, assistindo passivamente ao esgarçamento da disciplina e da hierarquia na FAB. Por meio do ministro da Defesa, participou, peça a peça, da construção que culminou com a greve geral da sexta-feira. O argumento de que o governo teve que intervir pois a FAB se tornara incapaz de resolver o problema é mais ou menos como o caso de um filho que tivesse matado os próprios pais e comparecesse diante do juiz pedindo clemência por ser órfão.
2) Quando o governo decidiu negociar diretamente com uma assembléia de sargentos, essa decisão foi operacionalizada por meio de um ministro e de uma secretária-executiva civis, e não através do comando da FAB. Isso nada tem a ver com ascendência do poder civil sobre o militar. Tem a ver com quebra da hierarquia. A autoridade do poder civil sobre as Forças Armadas é essencial. Como dizia Georges Clemenceau, a guerra é mesmo um assunto sério demais para ser deixado unicamente por conta dos militares. Mas essa autoridade só pode ser exercida democraticamente se for dentro da lei e da hierarquia. O Código Penal Militar pode ser consultado no site da presidência da República. Transcrevo um trecho que me parece apropriado:
TÍTULO II
DOS CRIMES CONTRA A AUTORIDADE
OU DISCIPLINA MILITAR
CAPÍTULO I
DO MOTIM E DA REVOLTA
Motim
Art. 149. Reunirem-se militares ou assemelhados:
I - agindo contra a ordem recebida de superior, ou negando-se a cumpri-la;
II - recusando obediência a superior, quando estejam agindo sem ordem ou praticando violência;
III - assentindo em recusa conjunta de obediência, ou em resistência ou violência, em comum, contra superior;
IV - ocupando quartel, fortaleza, arsenal, fábrica ou estabelecimento militar, ou dependência de qualquer dêles, hangar, aeródromo ou aeronave, navio ou viatura militar, ou utilizando-se de qualquer daqueles locais ou meios de transporte, para ação militar, ou prática de violência, em desobediência a ordem superior ou em detrimento da ordem ou da disciplina militar:
Pena - reclusão, de quatro a oito anos, com aumento de um têrço para os cabeças.(...)
Omissão de lealdade militar
Art. 151. Deixar o militar ou assemelhado de levar ao conhecimento do superior o motim ou revolta de cuja preparação teve notícia, ou, estando presente ao ato criminoso, não usar de todos os meios ao seu alcance para impedi-lo:
Pena - reclusão, de três a cinco anos.
Conspiração
Art. 152. Concertarem-se militares ou assemelhados para a prática do crime previsto no artigo 149:Pena - reclusão, de três a cinco anos.Isenção de penaParágrafo único. É isento de pena aquêle que, antes da execução do crime e quando era ainda possível evitar-lhe as conseqüências, denuncia o ajuste de que participou. (...)
. A lei é clara. O acordo do governo com os controladores de vôo inclui que ninguém seja punido pelo motim de sexta-feira. Portanto, esse acordo está em contradição com o Código Penal Militar [que, pelo visto, ainda mantém resquícios da ortografia pré-1971], em pelo menos três artigos. Eis mais um fato. Claro que contra fatos pode haver argumentos. Mas eles precisam ser muito bons.
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