Por Jana Sá*
Durante mais de 500 anos, a história oficial brasileira procurou ofuscar as lutas populares. A sociedade via, assim, a sua própria história com os olhos das classes dominantes. Aqueles que ousavam desafiar o estado atual dos acontecimentos, ou seja, os subversores de cada época, se não venciam, passavam à posteridade como bandidos, enquanto a auréola de herói contornava a fronte dos defensores da lei e da ordem.
Uma tentativa de apagar os vestígios que as classes populares e os opositores vão deixando ao longo de suas experiências de resistência e de luta, num esforço contínuo de exclusão da atuação desses sujeitos na história.
Contudo, apesar da disritmia entre a informação dos acontecimentos e a compreensão histórica do processo, há o momento em que se quebra o monopólio do discurso oficial, e a opinião pública passa a conhecer e discutir os fatos revelados. Dá-se lugar à História que não é escrita apenas para a justificação e a glorificação das classes dominantes, a ótica das classes populares. Procura-se desvendar o passado e contribuir para libertação e não servidão dos homens.
Tal é o caso da inclusão da Guerrilha do Araguaia nos currículos escolares de História. A proposta encaminhada esta semana ao Conselho Nacional de Educação (CNE) da Câmara dos Deputados pretende manter viva a memória de parte de uma história em que as classes populares não foram meras expectadoras dos fatos, mas produtoras dos acontecimentos. Manter viva a memória dos horrores da perseguição política, da tortura, das mortes, dos desaparecimentos, pois é este o primeiro passo para garantir que tais fatos não mais ocorram.
Movimento armado de contestação política ao Regime Militar, concebido, planejado, organizado e dirigido pelo Partido Comunista do Brasil, entre os anos de 1966 e 1975, no sul do Pará, a Guerrilha do Araguaia completou, no último dia 12, 40 anos, e é hoje evocada sempre que se trata de passar a limpo a história do país.
A inserção da guerrilha na História visa demonstrar que muitos, como o meu pai, o norte-rio-grandense Glênio Sá, insurgiram-se contra a intolerância política que se abateu sobre nosso país e pagaram um alto preço para que pudéssemos hoje desfrutar das liberdades políticas e individuais, embora a luta por democracia e liberdade seja uma jornada infinita.
A proposta que está em discussão na Câmara dos Deputados representa, assim, uma tentativa de não permitir que a destruição da história de homens e mulheres que se destacaram ao longo de suas trajetórias de vida se complete.
Buscar no passado o que nele foi esquecido e abafado, ou seja, as personagens e os episódios que foram sufocados e colocados nas notas de rodapé da história oficial é indispensável para reconstrução da memória histórica e uma dívida do Estado com a Sociedade.
*Jana Sá é jornalista e filha do guerrilheiro do Araguaia Glênio Sá
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