04 abril 2012

Para destravar o desenvolvimento

No Vermelho:
Recuperar a indústria, uma luta pelo futuro do Brasil

Acompanhada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, a presidente da República, Dilma Rousseff, anunciou uma série de políticas voltadas para a recuperação da indústria brasileira após o desempenho muito abaixo do esperado de nosso PIB em 2011(2,7% de crescimento) e os sinais nada alentadores no primeiro trimestre.

Trata-se de um sinal de que o governo está atento ao cenário econômico nacional em conformidade com o impasse europeu e norte-americano.

Estas políticas se traduziram numa expansão dos incentivos fiscais já postos em prática desde agosto do ano passado no âmbito do programa Brasil Maior. Desoneração parcial da folha de pagamentos; desoneração do IPI para produtos sem similar nacional; aumento de recursos para o Programa de Financiamento à Exportação; estímulos para investimentos em infraestruturas e inovação tecnológica; prioridade para a aquisição de bens e serviços nacionais,com margem de preferência de até 25% sobre importados; suspensão do PIS/Cofins para os setores mais afetados pela crise, dentre outras medidas.

Muito bem-vindas tais medidas. Não resta dúvida. A grande questão é saber o real impacto delas na produtividade do trabalho e na competitividade de nossa indústria no médio e longo prazos. É sabido que em economia incentivos fiscais não têm alcance estratégico, servindo mais para tratamentos conjunturais. O “xis” do problema que determina em primeira e última instância a consequência real reside na macroeconomia.

Nossa indústria só será capaz de retomar um ciclo virtuoso nos marcos de uma taxa de juros em patamares internacionais e de uma taxa de câmbio capaz de nos proteger da forte concorrência asiática. Com base nas experiências bem sucedidas, temos insistido que o controle da conta de capitais é a profilaxia mais indicada numa conjuntura de liquidez internacional completamente fora de controle (guerra cambial).

Mas não podemos tomar nossa vontade como o “senhor do mundo”. É muito claro que medidas de corte mais radical demandam não somente força política acumulada. Demandam premissas de convicções estratégicas. É bom salientar que nem a violência da crise internacional foi capaz de sedimentar no seio do governo e do Estado brasileiros convicções capazes de alterar o escopo de nossa governança. Em quase quatro anos de crise global experimentamos uma verdadeira miscelânea de políticas monetárias: restrição de demanda no início da crise, expansão do crédito em 2009 e 2010, medidas macroprudenciais no início do governo atual, alta dos juros no início de 2011 casada com medidas de contenção cambial via Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), novamente queda da taxa de juros a partir de agosto de 2011...

O resultado não poderia ser diferente com média de crescimento desde 2008 abaixo dos 4%, um setor produtivo completamente exposto a estratégias mercantilistas internacionais e queda acentuada na participação da indústria no PIB (a menor participação deste setor no PIB desde 1950). O emprego industrial tem sido lentamente substituído pelo emprego não qualificado no setor de serviços. A desindustrialização se tornou um fenômeno objetivo. A oportunidade deixada pela crise financeira para um salto de qualidade pode estar sendo deixada para trás. Algo que nem o anúncio de incentivos à indústria poderá reverter no curto prazo.

Mas os sinais são por demais contraditórios. Dois exemplos são salutares. A última ata do Comitê de Política Monetária (Copom) sinalizou para uma taxa juros futura um pouco acima dos “patamares históricos”. Em outras palavras, a taxa de juros não deve chegar tão cedo ao seu menor índice recente (8,75%, registrada entre julho de 2009 e abril de 2010). No anúncio do plano para evitar uma maior desindustrialização do Brasil, a presidente Dilma disse: "Nós, aqui hoje dizemos novamente que vamos manter nossa meta de superávit primário, criar condições para a queda dos juros reais, mas que faremos isto sem prejuízo às políticas de estímulo aos investimentos, à indústria e à economia".

Existem, entretanto, várias fontes de limites na afirmação do Copom e da presidente Dilma. O primeiro limite está no caráter técnico da abordagem e que se entrelaça com as limitações políticas. As condições para a queda da taxa de juros, segundo o governo, estão na queda da relação dívida x PIB que hoje está no patamar de 36%. Daí o “jogo de troca” entre o superávit primário e as contínuas quedas das taxas de juros. Porque esse rigor financeiro permanente? Países como a França, Alemanha, Estados Unidos, Índia e Coreia do Sul com dívidas públicas (em relação ao PIB) maiores que o Brasil mantém taxas de juros altamente atraentes ao crédito e ao consumo.

Também esta abordagem liberal e “técnica” não seria um subterfúgio para evitar o debate sobre a remuneração da caderneta de poupança, isso sim algo que pode evitar quedas mais substanciais da taxa de juros?

As coisas devem ser ditas de forma explícita. A queda da taxa de juros, mantendo sempre elevado superávit primário, se dá sob o preço da queda de qualidade do atendimento público de saúde, de um sistema educacional onde mais da metade dos Estados da federação são incapazes de pagar o piso mínimo para os professores e de uma situação social que atingem em cheio as periferias das grandes cidades por meio de índices de assassinatos crescentes. Quanto tempo mais, pautado pelo superávit primário, o país necessitará para se atingir a taxa de juros próximas das praticadas no mundo?

O povo não merece este sofrimento enquanto os bancos continuam a bater recordes de lucros. Sim, é fato. A queda da Sselic não redunda diretamente em crédito mais barato e mais ágil. Dados disponibilizados na última semana dão conta de um aumento de rendimento do sistema financeiro, a partir de agosto – portanto após a sequente queda da Selic -, de 78% auferidos com spreads bancários e tarifas bancárias escorchantes. Dentro da lógica monopolista que rege nosso sistema financeiro, o tempo entre a queda da Selic e o repasse desta medida no custo de capital é muito defasado.

Isso pode ser solucionado com a concorrência bancária entre os setores estatal e privado do sistema financeiro. Não somos advogados da “concorrência perfeita”. Quem advoga este princípio são os neoliberais. Mas qual a razão deste princípio não se aplicar ao sistema financeiro? Isto só pode ser explicado pela lógica de quem detém realmente o poder político.

Em suma, tudo indica que estamos aproveitando a crise para diminuir a dívida pública e não para obter êxito no fomento de nossa taxa de investimentos. É evidente que o governo trabalha com dois eixos estratégicos. O primeiro (“mãe de todas as batalhas”), o combate à inflação. Sobre isso não resta dúvida. O segundo, que é um elemento novo - o objetivo de se reduzir a dívida pública em relação ao PIB.

Como se percebe a batalha em torno do futuro do Brasil está aí. Transcorre num ambiente complexo e tendente à despolitização. Onde sobram consensos técnicos, falta o “bom senso nacional”, que siga um caminho próprio, necessário ao descortino de novo horizonte para o Brasil.
* Renato Rabelo é presidente nacional do PCdoB

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