Haroldo Lima*, no Jornal do
Brasil
Numa
campanha presidencial acalorada como a atual, diferentes temas polarizam e o
eleitorado, por vezes, fica confuso. A economia é o terreno mais sólido para se
caracterizar as posições e estabelecer as diferenças.
Mantega
observou que “há onze anos cumprimos as metas de inflação” e, se hoje ela está
alta, há tendência de “queda até o fim do ano”. Como a inflação se abate com
mais força sobre a população de baixa renda, o governo tem lutado contra ela
“ampliando a oferta de alimentos e de produtos”. A despeito disso, ela tem
crescido, “inclusive por razões externas”, mas,quando Armínio era presidente do
Banco Central “ele pegou a inflação a 7%, em 1999, e a entregou a 12% em 2002”.
Mantega começava assim o comportamento que manteve em todo o debate de refutar
posições do Armínio com dados comparativos da época do governo de FHC, em que
Armínio presidia o Banco Central, e dos governos de Lula e Dilma.
Armínio
tentou explicar o crescimento inflacionário apontado acima, argumentando que,
no último ano do governo de FHC, houve um pânico provocado pela proximidade do
início do governo Lula. Mantega não concordou. Disse que “a inflação subiu
porque a economia estava fragilizada, não tinha reservas, tinha R$17 bilhões,
que não era nada, enquanto hoje temos R$ 380 bilhões”.
Armínio
insistiu na gravidade do crescimento baixo (“há quatro anos, 2% a menos que a
média da América Latina”) e afirmou que “a crise mundial acabou em 2009, tendo
havido um período de crise na Europa em 2011, a partir do que a economia vem se
recuperando”. Mantega divergiu radicalmente dessa apreciação, disse que “90 %
das economias do mundo estão desacelerando”, e lembrou o “Relatório do FMI, de
dois dias atrás, que considera decepcionante a recuperação da economia
mundial”. Completou: “há seis anos a economia mundial enfrenta a maior crise
dos últimos 80 anos”.
Ademais,
com as políticas anticíclicas dos governos Lula e Dilma, “entre 2008 e 2013,
fomos uma das economias que mais cresceram no mundo, a sexta com melhor
desempenho no G20, só atrás da China, Índia, Indonésia, Arábia Saudita e
Turquia”.
Armínio
acentuou que “o que faz o país crescer é investir e nosso investimento é muito
baixo, da ordem de 16,5% do PIB”. Agregando indicações sobre queda de
produtividade e dificuldades na educação, declarou que “o modelo que temos
fracassou”.
Quando
replicou, Mantega introduziu um elemento importante na análise da situação
econômica. Considerou que a economia brasileira encontra-se “saudável” e
explicou o que isto significa. “É porque mantivemos nosso mercado de consumo”,
em patamar elevado. “Mesmo na crise, continuamos a crescer, gerando
emprego”. “Foi uma das economias que mais gerou emprego, durante a crise, no
mundo”. “Outros países, disse Mantega, desempregaram, baixaram salário e poder
aquisitivo e estão agora com dificuldade de recuperar o mercado consumidor
perdido”. “Nós não temos que recuperar nada, o crédito que era bastante
escasso, subiu muito, a população passou a ter salários maiores e emprego”. E
arrematou: “no governo Dilma geramos 5,5 milhões de empregos até agora, o dobro
do que foi gerado em igual período de FHC”. “Fizemos muita inclusão social e
nosso mercado consumidor ficou muito maior e está ativo”.
Mantega
concordou com Armínio de que é fundamental investir. Por isso, disse, “criamos
o Programa Prioritário do Investimento, o maior programa de concessões que já
foi feito no Brasil, o PAC, o Minha Casa Minha Vida”. “Esse Programa será o
carro chefe para o novo ciclo de expansão da economia, porque ele toca na
infraestrutura, no transporte e atende a necessidade da população em serviços”.
Sobre
as diferenças de política econômica entre as duas candidaturas, Armínio
declarou que elas são “fundamentais”. Explicou: “o modelo atual não integra
crescimento, tem dificuldade em mobilizar capital”. Acentuou que “temos que
acertar a casa do lado macro, mobilizar capitais, investir e fazer
algumas reformas, de cunho microeconômico, como a tributária”. E arrematou: “não
estamos falando em inventar nada de especial”, afirmação surpreendente, que soa
como “não estamos falando em fazer nada de novo”...
Mantega,
a esse respeito, registrou serem “muitas as diferenças” entre as duas
candidaturas. “Armínio professa o tripé (tripé neoliberal: superávit
primário, metas de inflação e câmbio flutuante) e quer superávit maior”
para pagar juros aos bancos; quer “reduzir a inflação rapidamente, o que
considero ser através dos juros altos”. Estes expedientes “não são suficientes
principalmente em tempo de crise”. A crise exige “política anticíclica, onde
haja incentivo a investimentos subsidiados, daí o Programa de Sustentação do
Investimento do BNDES”. Este “foi o Programa que mais gastou no governo, R$240
bilhões,financiando máquinas, equipamentos, caminhões, ônibus, trator”. “O
financiamento para empresa pequena e média tem juros de 4,5% ao ano, dez anos
para pagar e prazo de carência, que é para viabilizar o negócio”. E comparando,
mostrou: “diz-se que o Estado tem de investir, o que é certo; mas em 2002, (quando
terminou o segundo governo de FHC) , o Estado investia 3,3 % do PIB, e
hoje, investe ainda pouco, mas investe 4,7%”. Sistematizou enfim, a diferença
principal econômica entre as candidaturas: “a diferença é essa: o papel do
Estado?” Armínio quer que o Estado tire subsídios, nós, queremos reduzir
tributos, baixar juros, desonerar folhas de pagamento”. “Isto já foi feito e
aumentou a produtividade em 56 setores”.
Concitado
a falar sobre o modelo de crescimento que defende,Armínio afirmou que “para nós
a infraestrutura é crucial, hoje é uma barreira, deveria ser uma oportunidade.
Com todos os programas que o Ministro listou, com muito dinheiro com juros
subsidiados, o fato é que o investimento está caindo; precisamos juros baixos
sim, mas para todo mundo, não só para quem toma dinheiro no BNDES; precisamos
de um modelo que se alavanque no mercado;todo esse trabalho do BNDES gera um
subsídio que é igual a um Bolsa Família e a um Minha Casa Minha Vida. Pra
que?”.
Mantega
aprofundou o exame do programa do BNDES. “Se não tivesse esse programa,o
investimento não teria crescido na crise”. E voltou a comparar: “de 2003 a
2013, (período Lula e Dilma) o investimento cresceu 5,1% ao ano,
enquanto nos oitos anos do período de FHC cresceu 1%%. “Não fosse o BNDES, as
pessoas não iriam comprar máquina e equipamentos com esses juros de mercado. Em
momento de crise os bancos privados se encolhem Os programas sociais também
foram muito importantes para manter poder aquisitivo da população. Nossa
prioridade foi aumentar o emprego. Com toda essa crise, nosso desemprego está
baixo, em torno de 5%”.
A
crise mundial voltou a ser discutida, assim como o papel dos bancos públicos.
Armínio revelou ter “uma leitura totalmente diferente da do Guido sobre a crise
mundial: essa acabou em 2009, em 2011 houve crise na Europa e depois a economia
vem se recuperando. Os bancos públicos podem fazer programa emergencial, mas
não entendo um banco público emprestando dinheiro à Petrobras ou a grandes
empresas privadas, que tem acesso ao mercado”.
Mantega
reagiu categórico: “os bancos públicos brasileiros são muito bem geridos. Tem
eficiência que pode ser constatada pelas margens de rentabilidade e pela
inadimplência que têm. O Banco do Brasil, a Caixa Econômica e o BNDES têm
níveis de inadimplência menores que os do setor privado; são, portanto mais
eficientes. E voltando a comparar: “a situação desses bancos mudou muito. No
tempo do governo de FHC, a Caixa Econômica quebrou o Banco do Brasil quase
quebrou. O governo teve que colocar dinheiro, fazer um programa especial
de saneamento. Assim foi criada a Emgea, no caso da Caixa Econômica, com R$27 bilhões
de ativos podres. O Banco do Brasil também tinha vários ativos podres”. E
fechando essa parte: “o BNDES tem hoje um lucro de R$8 a R$10 bilhões, e tinha
naquela época R$500 milhões”.
Juros
e dívida pública voltaram ao debate. Mantega esclareceu: “estou no Ministério
há quase nove anos e sempre procuramos manter o primário elevado”. “Na crise,
fizemos políticas anticíclicas, que o Armínio não faria.” “Ele praticou juros
elevadíssimos, sendo que a taxa real média de juros do seu período foi de 13,5%,
taxa que agora é de 4%.” “A taxa para o consumidor caiu pela metade: antes se
pagava por uma geladeira 80% de juros, agora ainda é muito, mas já está em
40%.” E informou: “recebemos uma dívida líquida de 60% do PIB, que hoje está em
35%. No caso deles (Armínio) foi o contrário: eles receberam em 1995 a
dívida em 22% e a levaram a 60% do PIB”.
Em
certos momentos, Armínio Fraga se saiu com a ideia de que Mantega falava “fora
do contexto”. No debate entre Dilma e Aécio, na Band, dia 14 passado, também
Aécio disse que Dilma estava com um “retrovisor”, olhando o passado. Na verdade
o que eles procuram evitar é que sejam apresentados ao povo dados sobre o que
eles fizeram no governo de Fernando Henrique e o que foi feito nos governos
Lula e Dilma. Gostariam que fossem discutidas apenas ideias vagas sobre o
futuro, as mais melosas, como mais educação, mais saúde, mais segurança, mais
desenvolvimento, mais salário, mais emprego, mais tudo, sem precisar esclarecer
como fariam isto e, sobretudo sem precisar explicar porque não fizeram essas
coisas quando estiveram no governo federal ou no governo de Minas. É, sim,
muito importante, examinar os dados comparativos apresentados pelo Mantega, que
tanto deixavam em desconforto o Armínio Fraga.
Armínio
asseverou que “o problema mais importante do país é o não investimento,
responsável pelo baixo crescimento, pois o país está, há quatro anos, crescendo
2% a menos que a América Latina, com resultado primário zero, custo elevado da
dívida, numa situação em que a crise já terminou no mundo“.
Mantega
retorquiu: “a crise no mundo não acabou, afeta vários países, e o Brasil é um
dos menos atingidos”.“Durante a crise, o Brasil aumentou o emprego, salário e
renda como poucos países, embora o crescimento tenha caído.Nessa altura da crise,
a nossa situação econômica é muito mais sólida que no passado, o que nos
permite prever um novo ciclo de expansão, a taxas maiores que as anteriores.”
Investir
é um objetivo com o qual o Mantega naturalmente concorda. Mas, advertiu,
“muitos investimentos já estão sendo feitos, em mobilidade urbana e em
serviços”. A propósito fez uma diferenciação importante: “até então criamos as
condições para a população adquirir bens; agora o empenho é para que sejam
ofertados mais bens e serviços.” “A prioridade é serviços, e estamos com um
grande programa de concessões e muito investimento em educação, como se pode
ver por esses números: em 2002 ( quando terminava o governo de FHC), O
Ministério da Educação tinha R$35 bilhões, enquanto hoje tem R$118 bilhões, mais
do que o triplo”.
Há
um aspecto não levantado no debate e que tem muita importância quando se trata
de recursos para educação e saúde. É que desde que o pré-sal foi descoberto, os
governos Lula e Dilma defenderam e conseguiram aprovar no Congresso lei que destina
75% dos royalties do petróleo no Brasil e 50% do Fundo Social do pré-sal para a
educação e 25% dos royalties para a saúde. Isto significa que a educação e a
saúde brasileiras já têm garantidos recursos elevados, capazes de permitir um
salto de qualidade nesses serviços. E, sem dúvida, foi uma vitória dos governos
de Lula e Dilma.
Armínio
insistiu na reforma tributária que chamou de “profunda”, voltada para “parar de
onerar exportações e investimentos”. Mantega mostrou que esse é “um dos pontos
pelos quais o governo atual se bate e que, na verdade, uma reforma tributária
já começou, com a Simples, a reposição do ICMS e a reforma do PIS-Cofins.”
A
proclamação final de Mantega foi no sentido de dizer que “temos condições de
dar continuidade a um programa de desenvolvimento que priorize a geração de
emprego, a redução da pobreza e a evolução da renda per capita”. Documentou:
“entre 1995 e 2002 (período de FHC) nossa renda per capita cresceu a 3%, e de
2003 a 2013 ( período de Lula e Dilma) cresceu a 30%”.
O
seu fecho no debate foi: “haveremos de crescer mais 30% nos próximos oito
anos”.
*Haroldo Lima – é membro do Comitê
Central do Partido Comunista do Brasil e da sua Comissão Política.
Leia
mais sobre temas da atualidade: http://migre.me/kMGFD
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