Luciano Siqueira, no Jornal da Besta Fubana
O atentado que ocorreu em Paris em 7 de janeiro contra a
revista satírica Charlie Hebdo - verdadeiro ato de guerra cujas raízes se
encontram mais no jogo da geopolítica mundial do que na agressão à livre
manifestação do pensamento ou à liberdade religiosa – provoca reações as mais
diversas. E todo tipo de debate.
Pois façamos aqui breve alusão à intolerância religiosa, aspecto
mais epidérmico, digamos assim, do que se discute agora. E fiquemos cá em
terras tupiniquins mesmo, olhando para dentro do nosso próprio país... pois há
dados que merecem nossa atenção.
Vejamos.
Só no ano passado, o Disque 100 registrou 149 denúncias de
discriminação religiosa verificadas no conjunto do país; em 2013 foram anotadas
228 denúncias.
As
situações são de feições variadas, embora traduzam o mesmo sentido – o da
intolerância e da discriminação. Como o caso de um jornal evangélico que
ilustrou matéria de primeira página com a foto da iyalorixá Gildásia dos Santos
e Santos, a Mãe Gilda, e abriu a bombástica manchete "Macumbeiros
charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes". Pior: em decorrência dessa “denúncia”, seguidores da tal corrente religiosa invadiram a residência da Mãe Gilda, agrediram seu esposo, depredaram as instalações do terreiro. O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado anualmente em 21 de janeiro, de acordo com a Lei 11.635, presta homenagem à Mãe Gilda.
Em geral a discriminação se abate sobre as religiões de matriz africana, porém se expressam também sobre outras correntes religiosas, inclusive denominações evangélicas.
A tolerância à diversidade e o respeito às diferenças, de
modo amplo, e não apenas em relação aos cultos religiosos, há de ser um dos
pilares da consolidação de nossa ainda débil democracia.
O fato é que em 127 anos de República, vivemos hoje, desde
1985, o lapso de tempo mais prolongado de vigência do regime democrático.
Antes, nada menos do que dezoito intervenções militares havia sido praticadas
sobre a ordem institucional, apenas uma delas em favor da democracia; as
demais, restringindo a liberdade de expressão e tolhendo o debate de ideias.
Em ambiente assim desprovido de um lastro mais amadurecido
do livre embate social e ideológico, um corolário inevitável seria, como são,
as múltiplas formas de discriminação e, dentre elas, a intolerância religiosa.
Na Assembleia Constituinte de 1946, quando se estabeleceu em
definitivo o caráter laico do Estado brasileiro, foi justamente a bancada do
Partido Comunista do Brasil que liderou a luta pela liberdade de culto,
finalmente inscrita na Carta Magna.
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