29 maio 2016

O poder da Avenida Paulista

Auto da Pressa
Nagib Jorge Neto*

Sirene ligada, faróis acesos, luz vermelha piscando, a ambulância abriu caminho, avançou pela rua, entrou veloz numa curva, capotou. chegou gente pra socorrer, que na pista, no veículo, havia apenas legumes, frutas, verduras, nenhum doente. A pressa, portanto, era uma farsa, uma armação dos condutores, que provocou críticas, xingamentos do pessoal, indignado com a encenação. Indiferentes, os farsantes rebocaram o auto e levaram a carga.
Esse fato – ocorrido em Casa Amarela, no Recife – tem tudo a ver com o alarido das lideranças que pedem urgência, reformas, com avanço veloz do auto que conduz um país doente, aflito. Nesse tom, elas apontam o Estado, os servidores públicos, a Previdência, os aposentados, que seriam causas de todos os problemas nacionais. Sem qualquer graça atacam as “minorias privilegiadas” – as forças sociais - e repetem a máxima do humorista Aparício Torreli, o Barão de Itararé: “É este o Estado a que chegamos!”.
Evidente que o país está em crise, o Estado enfraquecido, mas o governo provisório na prática cuida de vender estatais, quebrar monopólios – do Estado, é óbvio –, e garantir incentivos, vantagens, ao investimento externo, volátil e especulativo. Nessa linha, restringe o crédito, subsídios, visando comprometer a produção agrícola e industrial, com a quebra de empresas, instituições, sobretudo regionais. Em suma, a política econômica consolida o poder de decisão da Avenida Paulista, controlado por encapuzados escudeiros da ordem global.
Não há, nem pode haver avanço no ajuste fiscal, no sistema financeiro, agrário, ou seja, no combate à sonegação ou concentração de terras e riquezas, detidas por 10% da população. Essa farra tem respaldo dos arautos das reformas, de figuras que defendiam a ditadura, o Estado forte. Alguns são fascistas que estavam de férias ou reformistas, neo-esquerdistas, que cansaram de cutucar onça com vara curta.
Enfim, a “geração da redentora”, dos coloridos, ou pós-alcoolismo, teme os anárquicos batalhões da mídia que faz a louvação e venda da ocupação liberal. Que mudou, então? Nada, pois está de volta o velho esquema de poder no país e a “democrácia” não precisa de Estado forte para proteger suas “tenebrosas transações”. É tempo de belas mentiras, promessa de riqueza, reformas, com base na Constituição de 88, ou na concepção de seus interpretes ou guardiões.    
Assim é urgente expropriar o que resta do patrimônio nacional, usando como arma a pressa, a ficção da ambulância, e acusando as “minorias” de tumultuar o país. Nisto lembra o regime que transformou camponês em rurícola, favela emassentamento sub normal”, mas foi vencido com resistência, protestos, que agora são vistos como ação de  agitadores e reprimidos por policiais e cães. Até acabar a farsa da pressa.
* Nagib Jorge Neto é jornalista.

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