Os escândalos que caminham a passos lentos no
Brasil da Lava Jato
A Operação Lava Jato
fez florescer em parte da opinião pública uma velha esperança: a impunidade
estaria com os dias contados. Corruptos e corruptores passariam a ser punidos
exemplarmente, submetidos às mesmas regras de qualquer cidadão. Nunca antes
tantos empreiteiros importantes enfrentaram o rigor das leis.
Mas, a exemplo do “mensalão” petista,
ela tornou-se uma exceção em meio a um cenário desolador. Escândalos de
corrupção que atingem representantes de outros partidos que desviaram tanto ou
mais dinheiro do que os esquemas na Petrobras continuam sem punição e
arrastam-se nos tribunais. Coincidência ou não, na última semana, o ministro Gilmar Mendes
determinou a suspensão das diligências e o depoimento do senador Aécio Neves,
citado por cinco delatores na Lava Jato.
Há um ponto em comum em todos os
escândalos sem punição: a desatenção da mídia. Quando jornalistas não cobram, o
Ministério Público, a polícia e o Judiciário não exibem o mesmo ímpeto da
força-tarefa instalada em Curitiba sob o comando do juiz Sergio Moro, impera a
impunidade. CartaCapital lista a seguir alguns dos casos mais rumorosos
dos últimos anos. Os resultados da investigação, até o momento, são pífios.
Confira:
Escândalo do metrô de São Paulo
O caso veio à tona com o acordo de
leniência elaborado por executivos da empresa alemã Siemens, em 2013, no qual
denunciam a existência de um cartel bilionário no País, especialmente em
contratos do metrô paulista. O esquema funcionou entre 1998 e 2008, durante as
gestões dos tucanos Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin. Segundo as
investigações, foram desviados ao
menos 2,5 bilhões de reais dos cofres de São Paulo.
As apurações foram divididas entre o
Ministério Público Federal e o de São Paulo. No âmbito federal, o inquérito
elaborado pela Polícia Federal foi concluído em dezembro de 2014 e encaminhado
ao procurador Rodrigo de Grandis no mesmo mês. Pasme-se: quase um ano e meio
depois, ainda não há prazo para a apresentação da denúncia.
De Grandis é um procurador controverso. Ficou
conhecido por conta de uma “falha administrativa” nas investigações do Caso
Alstom, esquema de corrupção na área energética paulista na década de 90. O
procurador diz ter colocado um pedido de compartilhamento de informações
encaminhado por investigadores suíços em uma “pasta errada” e o caso acabou
literalmente engavetado.
A multinacional francesa era alvo por
suspeitas de desvios para pagamento de propinas a políticos ligados ao PSDB e
teve a apuração prejudicada por conta da falta de cooperação do procurador
brasileiro com o Ministério Público do país europeu.
Um procedimento foi aberto no Conselho Nacional do
Ministério Público para apurar a conduta de De Grandis, mas o ministro Gilmar
Mendes, crítico contumaz da “corrupção no PT”, determinou o trancamento do
procedimento por considerar que houve “prejuízo na ampla defesa do
procurador”.
Em São Paulo, a investigação do trensalão a cargo
do MP estadual ganhou ares mais insólitos. Ficou estabelecido que a apuração
fosse dividida em dois núcleos. A parte relacionada a personagens políticos sem
foro privilegiado foi encaminhada ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime
Organizado e o inquérito relacionado aos executivos envolvidos no cartel para o
Grupo Especial de Combate a Delitos Econômicos.
Passados três anos, não houve
nenhuma denúncia formalizada contra personagens sem foro privilegiado ligados a
políticos em São Paulo. O inquérito no Gaeco mudou
de mãos ao menos quatro vezes. Promotores sem experiência em investigação foram
colocados no comando da apuração e nenhuma diligência avançou.
Não à toa, o grupo é alvo de piadas por promotores
de outras áreas. Faz mais de dez anos, desde as investigações que tiveram como
alvo o contrabandista Law Kin Chong, que o Gaeco paulistano não realiza nenhuma
operação de destaque. Integrantes do MP afirmam que a cúpula do órgão tem
formado as equipes do Gaeco entre os mais jovens e menos capacitados. A
estratégia seria esvaziá-lo e impedir ações contra o governo.
“Fazemos troça. Quando sabemos que o
caso é complexo, pedimos para mandar para o Gaeco”, conta aos risos um promotor
da capital. Outro integrante do MP paulista diz que o órgão é um aparelho sem
utilidade e que ninguém mais tem interesse. “Desde que o governo paulista
começou a nomear diversos procuradores para cargos de secretário no governo
estadual, o Gaeco acabou.”
No Gedec, dez executivos foram
denunciados, mas o Judiciário paulista parece não ter a mesma rigidez quando
julga personagens ligados ao PSDB. Foram negados todos os pedidos de prisão
preventiva apresentados.
O Tribunal de Justiça paulista, aliás, é um oásis
para os agentes públicos. Nunca foi aceita uma ação de improbidade contra
nenhum governador, e nenhum deputado estadual jamais foi preso. Com prefeitos,
a situação é a mesma. Uma das exceções históricas aconteceu faz dois meses.
Juliano Mendonça Jorge, de Miguelópolis, foi detido por fraudes em licitações.
A outra excepcionalidade ocorreu na região rural de Casa Branca, em 2011,
quando o prefeito Odair Leal da Rocha foi detido por suspeita de tráfico.
Mensalão do PSDB
Dezessete anos após as eleições de 1998, o
ex-presidente do PSDB Eduardo Azeredo foi
condenado em primeira instância por envolvimento com o esquema do
mensalão mineiro. Apesar de sentenciado a 20 anos e 10 meses de prisão por
lavagem de dinheiro e peculato por desvios de recursos de estatais mineiras
para sua campanha à reeleição a governador, nada mudou em sua rotina.
Diferentemente de outros condenados do
mensalão do PT julgados pelo STF sem acesso ao chamado duplo grau de jurisdição
– recorrer a uma instância superior –, Azeredo renunciou ao mandato de senador
e teve o processo enviado à primeira instância.
O ex-presidente do PSDB continua
livre. Não houve decretação de prisão preventiva e há boa possibilidade de
Azeredo não cumprir um dia sequer de pena. O ex-presidente do PSDB
completa 70 anos em setembro de 2018. Caso os recursos ainda não tenham sido
julgados, bem provável, o código penal prevê redução do prazo prescricional
pela metade.
O Ministério Público chegou a pedir a
prisão imediata de Azeredo e o aumento da pena. O pedido está, porém, na 5ª
Câmara Criminal sem prazo para ser julgado. Nenhum outro denunciado no esquema,
incluindo o ex-senador Clésio Andrade, hoje no PMDB, cumpre pena.
Máfia da Merenda
A investigação dos desvios de recursos da
alimentação escolar no estado de São Paulo não segue os mesmos
padrões impostos na Lava Jato e chancelados pelo STF. Desde que a Operação Alba Branca
foi às ruas em janeiro deste ano, nenhum personagem com prerrogativa de foro
foi preso e todas as prisões dos demais envolvidos não duraram uma semana.
Em depoimentos e delações foram citados cinco
integrantes da cúpula do governo Alckmin, entre eles Edson Aparecido, ex-chefe
da Casa Civil, e Duarte Nogueira, secretário de Logística e Transportes. Também
houve menções ao ex-secretário de Educação Herman Voorwald e o atual secretário
de Agricultura, Arnaldo Jardim. O principal nome apontado no esquema é o
do tucano Fernando Capez,
presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo.
O Tribunal de Justiça ainda não
autorizou o depoimento dos investigados na operação. Alega ser preciso concluir
as quebras de sigilo determinadas pela Corte para que o MP os ouça.
Outra curiosidade do Judiciário
paulista e estranhamente encampado pelo ex-procurador-geral Márcio Elias Rosa
foi pedir foro privilegiado para os investigados ligados aos secretários. O
ex-chefe de gabinete da Casa Civil Luiz Roberto dos Santos, “o Moita”, e o
ex-chefe de gabinete da Educação Fernando Padula não são alvo da primeira
instância.
Embora o STF já tenha determinado na Lava Jato que
os investigados sem foro privilegiado devam ser alvo em primeiro grau, em São
Paulo a jurisprudência é outra. Não há previsão de novas diligências na
apuração.
Propina do Agripino e mensalão
do DEM
O senador Agripino Maia
(DEM-RN) é crítico contumaz da corrupção. Dos outros. Após ser acusado por um
empresário de ter recebido 1 milhão de reais de propina por permitir um esquema
de desvios de recursos públicos na inspeção veicular do estado, seu caso foi
encaminhado para o STF.
A ministra Cármen Lúcia autorizou a
abertura de inquérito, mas a Procuradoria-Geral da República parece não ter
pressa. A autorização foi dada em março do ano passado e desde então não se tem
notícia da investigação. O inquérito foi oportunamente declarado como “segredo
de Justiça”.
O DEM também passou incólume durante a
Operação Caixa de Pandora. A apuração ganhou notoriedade em 2009, com a
divulgação de um vídeo em que o ex-governador do Distrito Federal José Roberto
Arruda aparece com maços de dinheiro que seria repassado a deputados aliados.
O escândalo ganhou o nome de mensalão
do DEM e custou o mandato de Arruda, cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral
após sair do partido. Apesar disso, Arruda não tem sido incomodado. Os
advogados do político conseguiram trancar parte da ação no STJ em fevereiro
deste ano, aquela que envolve a acusação de lavagem de dinheiro. O processo
continua parado sem prazo para ir a plenário.
Talvez haja uma explicação, como
afirma o sociólogo Vladimir Safatle: “A razão é simples de entender: as
relações entre o alto tucanato e membros do Poder Judiciário e da imprensa é
algo que vem do berço. Todos frequentaram as mesmas escolas, cresceram nos
mesmos clubes, participaram dos mesmos círculos. Assim, eles se defendem como casta”.
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