Jornal GGN – O senador José Serra assumiu o
Ministério de Relações Exteriores no governo do presidente interino Michel
Temer e está sendo criticado por “desfazer o que o Lula fez em política
externa”.
O editor de uma das principais revistas do mundo
dedicadas a relações internacionais, David Rpthkopft, da Foreign Policy disse
em entrevista à BBC Brasil. “Se Serra acha que reformar a política externa é
desfazer o que o Lula fez, ele não está agindo em nome dos interesses do
Brasil".
Para ele, Lula "fez mais para aumentar o peso
do Brasil no cenário mundial do que qualquer presidente do Brasil", e
Celso Amorim foi "provavelmente o melhor chanceler do mundo".
Da BBC Brasil
Por Luiza Bandeira
As medidas que "desfazem" ações dos
governos do PT - como parte da guinada na política externa brasileira proposta
pelo novo ministro das Relações Exteriores, José Serra - não são boas para o
país, na visão do editor de uma das principais revistas dedicadas a relações
internacionais do mundo, a Foreign Policy.
"Se Serra acha que reformar a política externa
é desfazer o que o Lula fez, ele não está agindo em nome dos interesses do
Brasil", disse à BBC Brasil David Rothkopf, em referência à possibilidade
de fechamento de embaixadas abertas em gestões anteriores.
Após assumir o posto de chanceler do governo
interino de Michel Temer, Serra criticou o que chamou de
"partidarismo" da política externa dos governos do PT e indicou que,
além de buscar uma gestão focada em comércio internacional, possivelmente
fecharia embaixadas abertas por Lula em países da África e do Caribe.
Para Rothkopf, Lula "fez mais para aumentar o
peso do Brasil no cenário mundial do que qualquer presidente do Brasil".
Ele também dá crédito ao ex-chanceler Celso Amorim - que chegou a chamar de
"provavelmente o melhor chanceler do mundo" em um artigo em 2009 - pelo
papel em transformar o país em um ator de peso no cenário internacional.
O CEO e editor da Foreign Policy, no entanto,
critica a excessiva complacência do governo com o regime de Hugo Chávez sob
Lula e a perda de importância da política externa sob Dilma.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista,
separados por temas:
Discurso de Serra - "O maior problema que o Brasil
tem em termos de política externa é que o país está paralisado e perdeu muita
credibilidade. Não é só que Dilma tenha sofrido impeachment ou que haja uma
nuvem de suspeitas sobre a cabeça de Temer, é que há uma nuvem de suspeitas
sobre a cabeça de muita gente no Congresso, no Executivo, e é muito difícil
saber quando esse escândalo de corrupção vai parar de prejudicar o Brasil.
Então os mercados estrangeiros perderam a confiança
no Brasil, não tem certeza de com quem vão lidar, e esse tipo de
previsibilidade, saber com que você está lidando, como são as políticas, é
absolutamente crucial.
Então o discurso de Serra não significa nada se não
soubermos por quanto tempo essa administração vai ser efetiva, ou se vai ser
efetiva."
Política externa do PT - "Sobre as críticas às políticas
do governo de esquerda, a questão é: qual governo? Lula, no auge de sua
popularidade, fez mais para aumentar o peso do Brasil no cenário mundial do que
qualquer presidente do Brasil, seja por abrir embaixadas e consulados pelo
mundo, seu papel de liderança, Celso Amorim e o Itamaraty envolvidos nos
assuntos mais importantes e dizendo 'o Brasil é um dos países mais importantes
do mundo e temos que ser tratados desta forma'. Aderir à ideia dos Brics foi
outro componente disso, a diplomacia Sul-Sul, e também o fato de que as coisas
estavam funcionando no Brasil.
Dilma não tinha muito tato para isso, Antonio
Patriota era ótimo, mas ela não o empoderou, controlou muito, houve tensões com
o Itamaraty. Depois veio Mauro Vieira, que era também muito capaz, mas era
muito claro que ela estava com problemas na maior parte do tempo em que ele foi
chanceler. De novo, se há um problema interno, isso se transfere para a
política externa.
Ouço Serra e penso: é possível que o regime de Lula
tenha se inclinado demais para Chávez e ignorado problemas no regime
(venezuelano)? Sim, com certeza. Eles foram muito permissivos na mudança de
Chávez para uma ditadura e nos abusos de direitos humanos. Eu nunca sugeri que
a política externa do PT era perfeita. Teria feito mais sentido ter uma
política equilibrada.
Mas se o Brasil voltar às políticas pré-Lula, que
eram essencialmente 'vamos ter políticas de comércio com algumas partes do
mundo, não vamos causar problemas, vamos adotar um tom cético-reflexivo em
relação aos EUA, etc.', isso não seria bom.
Acho que o Brasil mudou muito nos anos do governo
do PT e o mundo mudou muito, e não acho que o Brasil precisa de uma política de
volta ao passado, acho que o Brasil precisa de uma política orientada para o
futuro.
Mas toda política externa começa com força interna,
e neste momento o Brasil tem um problema tão grande que torna a política
externa uma nota de rodapé dentro da política do governo."
Comércio bilateral - "Dependendo dos acordos
bilaterais, priorizá-los pode ser uma estratégia mais eficiente. A maioria dos
esforços recentes com acordos multilaterias resultaram em inação ou, se
implementados, acordos ineficientes.
Mas isso parece ecoar uma noção de que política
externa é essencialmente política de comércio. E a política externa pré-PT era
muito orientada para comércio, e não pelo protagonismo no cenário político
mundial.
Eu acho que em um país de 200 milhões de pessoas,
uma das sete maiores economias do mundo, com a quinta maior população e área,
merece estar na discussão política também.
Não tem nada de errado em querer acordos
bilaterias, mas isso por si só não é política externa."
Fechamento de embaixadas - "No meu ponto de vista, a
abertura de embaixadas foi uma forma de aumentar a influência do Brasil. E acho
que, sejam quais forem as boas intenções que Serra possa ter, não é uma boa
política, como aprendemos com os EUA, chegar e falar 'vou fazer o oposto do que
meu antecessor fez'.
George Bush foi e fracassou em lugares como o
Oriente Médio e Obama fez o oposto, foi muito pouco ativo nesses lugares, e
isso foi um problema.
Se Serra acha que reformar a política externa é
desfazer o que o Lula fez, ele não está agindo em nome dos interesses do
Brasil. A política externa tem que ser guiada pelo interesses de longo prazo.
Minha reação inicial é que provavelmente não será
estratégico fechar embaixadas, mas não tenho familiaridade suficiente com os
problemas financeiros do Brasil."
Respostas 'duras ' a vizinhos e impeachment - "É dificil dizer exatamente como
será essa relação no longo prazo, pode ser bom se colocar pressão nesses
governos (como Venezuela) para se comportarem de forma mais responsável.
Mas o Brasil pertence ao cenário global, como um
dos países mais importantes do mundo, então as políticas têm que olhar muito
além do seu quintal.
Não sei se o problema (de Serra) vai ser convencer
outros países de que o governo é legítimo, mas se é um governo de confiança, se
estará lá por um bom tempo, se terá mandato para fazer as coisas, se representa
os brasileiros.
Parece impróvavel que Dilma renuncie, e isso
significa que o governo tem um prazo de 6 meses, não sabemos o que acontece
depois. O presidente está cercado de suspeitas, os líderes do Congresso, não
sabemos onde os dominós vão parar de cair.
Os governos estrangeiros serão educados com Serra,
vão receber bem as mudanças que acharem que são de seu interesse, mas eles vão
esperar para ver o que vai acontecer."
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