Teto de Temer 'morra quem morrer'
Nelson
Barbosa, na Folha de S. Paulo
Como previsto, o governo terá
dificuldade em cumprir o teto Temer de gasto em 2021. O problema só não existe
neste ano porque, ainda bem, a bomba criada por Temer para seus sucessores está
suspensa devido à pandemia.
Os leitores que me acompanham sabem,
o teto Temer só não foi problema antes de 2019 porque o time Temer
malandramente fixou o nível máximo de despesas de modo a não gerar problemas
durante seu mandato.
Agora que o teto Temer deu problema,
os remanescentes do “dreadteam” de Temer já debandaram de Bolsonaro para o
mercado, de onde poderão pontificar sobre o problema que criaram, sem
apresentar solução, mas vamos falar de 2021. Tudo indica que a economia não se
recuperará rapidamente da crise atual. Mais importante, mesmo antes da
pandemia, o investimento público já estava muito baixo, comprometendo o
crescimento sustentado da renda e do emprego. Para resolver o problema, é
necessário modificar nossa regra de gasto, permitindo elevação do investimento
com transparência e eficiência, bem como garantir a manutenção de programas
sociais indispensáveis para proteger a população de baixa renda, como ficou
claro durante a pandemia.
Há várias maneiras de fazer isso,
algumas responsáveis, outras não. O ministro ideológico do governo rechaça
qualquer mudança, alegando que mudar o teto Temer causará desastre, via
elevação da taxa de juro, depreciação cambial e aumento da inflação. O risco
realmente existe, se a mudança for malfeita, se não se colocar algo melhor no
lugar do teto Temer. Quem acompanha o debate sabe que há alternativas além do
“liberou geral”, como: estabelecer orçamento para investimento, com limites e
acompanhamento específicos, metas de gasto per capita para saúde e educação,
condizentes com a realidade econômica do país, e assim em diante. Cedo ou tarde
essa mudança acontecerá. Em oposição ao ministro ideológico do governo, os
ministros “pragmáticos” parecem se alinhar na defesa de algum investimento
público e da manutenção de programas essenciais.
Nessa empreitada, os “realistas”
são atacados como “políticos”, sobretudo pela gangue de analistas desonestos
que pululam na mídia e mercado. A batalha não é nova. Ela já ocorreu várias
vezes, e a mais recente foi em 2015, quando a ala ideológica da vez propôs
fazer uma megacontração fiscal em uma economia que despencava à velocidade de
4% ao ano. Para o leitor ter ideia do absurdo, a proposta daquela época era
cortar a despesa discricionária da União em aproximadamente 0,5% do PIB em
apenas um ano, o que, em valores atuais, significaria reduzir o gasto
discricionário da União, já em 2016, abaixo do que temos hoje, quatro anos
depois!
Felizmente os ideológicos não
prosperaram. Com golpe, com tudo, houve flexibilização fiscal em 2016. Houve
“Orçamento com déficit”, e o déficit ajudou a interromper a recessão sem
comprometer o controle da inflação. Infelizmente, a flexibilização fiscal de
2016 foi prematuramente revertida a partir de 2017, prejudicando a recuperação
da economia, tudo isso antes da Covid-19. Agora voltamos ao mesmo debate. As
medidas emergenciais deste ano mostram como a política fiscal pode atenuar a
recessão e promover recuperação mais rápida da economia. Mas os ideológicos
insistem em negar a realidade e propor suas crenças, “morra quem morrer”, para
2021.
Não precisa ser assim. Há várias alternativas para manter o controle de
gastos sem arriscar a renda, emprego e vida de milhões de brasileiros. O
primeiro passo da solução é desinterditar o debate.
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