27 agosto 2020

Sem limites


Voltando ao telhado?
Luciano Siqueira


Dizer que havia subido ao telhado certamente foi um exagero, mas a imagem em certa medida é apropriada para caracterizar momentos de dificuldade do presidente Jair Bolsonaro e seu governo.

Quando fazia um ano e meio no cargo, o ex-capitão se viu literalmente “nas cordas”, acossado por um rol de golpes cruzados: a prisão do tal Queiroz e toda uma carga de ameaças em decorrência das ligações suspeitas desse cidadão com a família Bolsonaro; as derrotas sucessivas no STF; as adversidades corridas no Congresso Nacional; o isolamento político crescente atestado nas pesquisas; o agravamento da pandemia do novo coronavírus e da crise social, tendo o desemprego como vetor.

Foi quando a turma que atua por trás das cortinas em favor de poderosos interesses concentrados no governo — do chamado mercado, sobretudo — impôs ao presidente dois meses de jejum de suas costumeiras provocações e diatribes.

Calado e favorecido pela dispersão do campo oposicionista, e ainda de quebra beneficiado pela percepção distorcida de milhões de brasileiros beneficiários do auxílio emergencial (que erroneamente supõem ser uma benesse do presidente), pôde respirar.

Até melhorou seu desempenho em pesquisas.

Acenou com a bandeira branca a ministros do STF e a parcelas do Congresso Nacional, especialmente a parlamentares do chamado centrão. Saiu do Palácio agora não mais para confraternizar com manifestantes fascistas na Praça dos Três Poderes, mas em viagens ao Nordeste para festejar obras que não são originariamente suas e que promete concluir.

Também assumiu uma agenda de anúncios de programas adotados desde Lula, agora com rótulos diferente e restrições financeiras — como o Minha casa, minha vida, agora convertido em Casa verde e amarela.

A um governo auto-aprisionado na fórmula ultraliberal de gerir a economia, em que se sobressai o fiscalismo fundamentalista, cada passo que o presidente tenta dar nessa direção implica em conflitos com ex-superministro Paulo Guedes e a sua agora desfalcada equipe.

E eis que um repórter pergunta ao presidente sobre os estranhos depósitos feitos pelo tal Queiroz na conta bancária da primeira dama. O suficiente para uma agressão grosseira e para em seguida tratar jornalistas com epítetos do tipo “bundões”.

Ou seja, Bolsonaro parece voltar a ser o autêntico Bolsonaro e romper com o jejum que lhe fora imposto.

Coincidentemente, a apuração do caso denominado “rachadinhas”, que envolve seu filho ex-deputado e atual senador Flavio, agora ganha o tempero de “pagamentos” relativamente volumosos, em espécie, na tal loja de chocolates de um shopping, feitos pelo Queiroz, valores em seguida apropriados pelo dono da loja, o mesmo Flavio, sem os devidos registros contábeis.

Tem gente que chama isso de lavagem de dinheiro escuso. Será?

Entrementes, corroendo a sociedade pela base, segue a mazela social puxada pelo desemprego, que tende a se agravar nos próximos meses.

Nas circunstâncias de um governo reacionário e contraditório, de um presidente destrambelhado e de crises sanitária, econômica, social e institucional entrelaçadas, será que o presidente ensaia uma volta ao tal telhado?

Talvez ainda não, pois falta o contraponto de uma oposição coesa e atuante e que, por enquanto, permanece dispersa.
Veja: Um fator de agravamento da crise https://bit.ly/2X75FJ6

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