O punhado de sal
Walter Sorrentino, no Blog do Renato
O presidente ataca o
bastião do liberalismo com a intervenção na presidência da Petrobras. A reação
é medonha, de A a Z da mídia e do mal chamado senhor Mercado – este no caso,
nacional e internacional.
Bolsonaro quer popularidade, espera contornar
a crise com os caminhoneiros, quem sabe baixando temporariamente o preço dos
combustíveis. Bolsonaro sabe que o papel do Estado dá popularidade (ora vejam)
em particular no que concerne à maior e mais avançada empresa criada pelos
brasileiros por várias décadas, desde “O petróleo é nosso” até a descoberta do
Pré-Sal. O poder da caneta presidencial é imenso, não é de se subestimar.
Mas o governo está em declínio progressivo,
enfraquecido com os desdobramentos deste terrível início de 2021 para o país,
particularmente pela ruinosa gestão do enfrentamento da pandemia e o fim do
auxílio emergência. Se vê crescentemente enquadrado em seus intuitos
autoritários. Busca caminhos para sua estratégia básica, que não é salvaguardar
a nossa soberania, mas sua reeleição em 2022. A vida não está fácil para o
governo.
Enquanto isso, no Congresso se articula a PEC
Emergencial que propõe dar um tiro de misericórdia nas verbas obrigatórias para
a Educação e Saúde. Em meio a uma escalada de 10 milhões de casos de COVID-19 e
250 mil mortes pela doença. Em meio a um ano perdido no calendário das escolas,
que marcará para sempre uma geração inteira de estudantes no ingresso à vida
profissional.
Os presidentes do Congresso veem a brecha
para serem os avalistas da agenda econômica falida. O Centrão, com isso, eleva
o cacife para cobrar a sustentação ao governo, enquanto se apoderam de nacos de
poder para o fortalecimento de seus partidos; o maior de todos é o objetivo de
Artur Lira de que os deputados “governem” o orçamento. Ficam à disposição de
Bolsonaro, quem sabe, ou fortes para detoná-lo se necessário, criando uma
alternativa de nome para a eleição presidencial.
O país segue à deriva, o governo é trôpego; o
desencontro de agendas entre a sociedade, o governo, o Congresso e os setores
econômicos são uma babel. Não há consensos nem força para construí-los e
hegemonizá-los. A vida não está fácil para nenhum bloco.
No governo, Guedes é apenas um espectro: o
presidente atual da Petrobras é um dos quatro centuriões que indicou a
Bolsonaro e já caíram; os militares estão colhendo o desprestígio que semearam
com o apoio e presença maciça no Executivo; o núcleo ideológico está na
defensiva e enfraquecido pelos fatos que levaram à prisão o deputado criminoso
confesso; a famigerada toga já foi defenestrada do governo por Bolsonaro e a
Lava Jato colhe derrotas sucessivas de sua ofensiva de perseguições jurídicas
subversivas.
No establishment
econômico as divisões prosperam quanto a o-que-fazer. Mas enquanto predominar a
atitude ir levando com um governo mequetrefe, para ficar com a galinha de ovos
de ouro das “reformas”, serão os principais responsáveis históricos por quebrar
o país, em mais uma década perdida com essa agenda econômica senil.
O que o Brasil precisa é de proteger as
vidas, implementar um robusto e seguro programa de vacinação, aprovar
imediatamente um auxílio-emergência de R$ 600,00 até dezembro, em ampla escala
e renovável enquanto não se debela a taxa de transmissão da COVID-19 (RT <
0,9). Não se pode levar adiante a satânica agenda de teto de gastos, regra de
ouro e outras, em meio a tal situação. É preciso superar esse fiscalismo
perante uma crise humanitária e uma economia em depressão, financiando a
emergência com títulos públicos a serem adquiridos pelo Banco Central,
“marcados” para contabilizá-los para a dívida pública.
Mas as saídas são políticas. É preciso uma
forte e ampla oposição, de geometria irregular segundo se trate de defesa da
democracia, da agenda econômica e dos direitos sociais, civis e humanos. Foi
marcante o gesto da cantora Teresa Cristina na entrevista ao Roda Viva,
dedicando a eles uma música conclamando Lula, Flávio Dino, Boulos e Freixo a se
unirem para dar uma esperança e perspectiva aos brasileiros.
Ela fez como apanhar um punhado de sal à
beira-mar, de Gandhi, que desatou a independência da Índia do império inglês.
Gestos são importantes. É disso que precisa a oposição, ecoando o poderoso
anseio de unidade das forças progressistas, que é bem maior do que os intentos,
legítimos que sejam, de quaisquer das legendas partidárias.
Nada é mais importante que isso hoje. Uma
foto e uma mensagem de todas as nossas lideranças – esse será nosso “punhado de
sal”. Trata-se de sinalizar a travessia deste trágico início de 2021; 2022 vem
depois, não antes.
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