Sistema partidário poroso
Luciano Siqueira
As eleições para as mesas diretoras da Câmara dos
Deputados e do Senado puseram a nu, uma vez mais, a fragilidade do nosso
sistema partidário.
Num elenco de mais de trinta legendas legalmente
constituídas, raríssimas são as que representam, de fato, correntes políticas
programáticas e, pelo menos, medianamente organizadas e coerentes.
Mais: como o voto é uninominal, e não na legenda,
o parlamentar se sente individualmente comprometido com uma espécie de
prestação de serviços às suas bases eleitorais — via de regra dependentes de
recursos do Orçamento Geral da União.
Daí a tendência “natural” de cada parlamentar em
estabelecer relações pessoais com o governo, implicando às vezes em excesso de
flexibilidade quanto a seus compromissos partidários.
Em consequência, as bancadas se tornam tão
vulneráveis em sua integridade que se costuma dizer que nelas “ninguém lidera
ninguém”.
Em certa medida, esse caráter poroso do sistema
partidário representado no parlamento sempre ocorreu.
O que acontece agora, sob o governo Bolsonaro, é
uma espécie de “liberou geral”. Tanto que se estima em mais de 3 bilhões de
reais o montante de emendas extras (para além das rotineiras, digamos assim) ao
OGU abocanhadas por deputados e senadores que se comprometerem em votar nos candidatos
apoiados pelo governo.
Assim se juntou a fome com a vontade de comer. O
governo determinado a vencer a todo custo — inclusive para se prevenir contra a
ameaça de impeachment — e uma maioria sedenta da liberação dos valores das suas
emendas destinadas a ações em seus redutos eleitorais.
O que poderá se acentuar mais ainda se vier a ser
adotado o chamado “distritão”, quando serão considerados eleitos os mais
votados, de qualquer partido
Essa lógica promíscua de relacionamento entre
parlamentares e governantes só se alterará com uma reforma política de sentido
realmente democrático e orientada para o fortalecimento dos partidos.
Um sistema onde o eleitor vota considerando
programas partidários e escolhe uma legenda cujos futuros parlamentares são
apresentados em lista previamente definida tem como consequência, dentre
outras, o compromisso programático acima de interesses particulares.
Para chegarmos a tanto, necessário antes superar o
atual quadro institucional deprimente que vem marcando a chamada era Bolsonaro.
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