A TV também nos adoece
Cícero Belmar*
De tanto assistir aos noticiários dos
canais abertos de televisão, estamos morrendo também. Angústia e incerteza
matam aos poucos. Quem quer se informar sobre a pandemia se abastece de uma
tragédia em números que é atualizada diariamente. E adquire um kit completo
formado pelo obituário e por esses sentimentos.
Se milhares estão morrendo nesta
pandemia, no Brasil, quem poderá ser a próxima vítima, nós nos questionamos sem
querer ouvir a resposta. Um pântano vai se formando na alma. E todos os dias
nos fragilizamos num relacionamento tóxico com a televisão.
Já ouvi diversas pessoas dizerem que
desligam seus aparelhos na hora dos telejornais porque não aceitam mais esse
cardápio de morte tangível. Nunca convivemos tão de perto com esse espectro. No
banquete funesto diário, a dor é prato que se serve quente no jantar.
Os números são tão altos que mal
conseguimos quantificá-los na mente. Estão fora de nossas proporções: a
capacidade de acumular informações pesadas se esgotou. Ainda bem que temos a
tecnologia. Largar o controle remoto e migrar para as mídias sociais é a nossa
resposta.
O Youtube, por exemplo, tem sido um dos
canais prediletos para os que desligam a televisão. Pelo menos nesta pandemia,
ele compete com a TV aberta. Não se trata de deixar de ver, por todo o sempre,
o noticiário da televisão. Ou de negar a pandemia. Nada de negacionismo. Mas de
se refrescar um pouco.
A pandemia não pode ser mero espetáculo
macabro em troca de audiência. A migração é significativa? Ou apenas uma lição
para quem faz a televisão?
Nas redes sociais há vídeos sobre a
pandemia também; mas, pela natureza da mídia, diversifica com os de música,
religiosos, comentários políticos, e outros, que ajudam a passar o tempo
enquanto ficamos em casa. As mídias sociais vendem poder de escolha e o
instinto de sobrevivência dos telespectadores não é a mesma coisa que negar a
pandemia.
Esta semana um amigue me telefonou, com
aparente satisfação, dizendo que assistiu a um astrólogo falando, num vídeo,
sobre o futuro da pandemia. As previsões, disse-me, mostraram que, no segundo
semestre, a pandemia estará mais amena. Os astros revelaram que a vacina ainda
não será a resposta definitiva para a covid-19. E que outras terapias mais
efetivas estão a caminho. Já-já estariam à disposição da grande massa.
Se vai mesmo ocorrer, não se pode ter
certeza. O fato é que as pessoas sofrem com a programação dos veículos
tradicionais de comunicação, que precisam se reinventar. Até porque, nesse
mundo subjetivo, há quem olhe para as estrelas e veja apenas estrelas. Outros,
enxergam palavras. No mais, yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay.
As mídias sociais são mais democráticas
e acessíveis do que as grandes redes de televisão. As primeiras parecem sob
medida para nos ajudar a conviver com as incertezas destes dias sufocantes.
*Cícero Belmar é escritor
e jornalista. Autor de contos, romances, biografias, peças de teatro e
livros para crianças e jovens. Membro da Academia Pernambucana de Letras.
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Uma
dica de leitura para quem gosta de Ariano Suassuna https://bit.ly/3whh2hh
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