Ao atacar a Polícia Federal, direita revela de que lado está
Nas múltiplas versões e na redação final, para alívio das facções criminosas, o relatório Derrite-Tarcísio mirou um alvo: enfraquecer a Polícia Federal
Editorial do 'Vermelho' www.vermelho.org.br
Desde a última chacina na cidade do Rio de Janeiro, ação espetaculosa e comprovadamente ineficaz para combater o crime organizado, o consórcio da direita e da extrema-direita manipula, com auxílio de setores da grande mídia, uma imperativa necessidade do país e uma aspiração premente do povo brasileiro: extirpar as facções criminosas e assegurar o direito à paz e à segurança. O governador paulista, Tarcísio de Freitas, o clã Bolsonaro e outros expoentes do neofascismo e da direita buscam se recompor diante do forte desgaste por terem apoiado o tarifaço do governo Donal Trump contra o Brasil.
Em abril último, o governo do presidente Lula, depois de ampla consulta quando se recolheu contribuições da sociedade e de especialistas, protocolou na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, propondo a criação de um sistema nacional que integra o governo federal, estados e municípios, às polícias e todos os entes vinculados, com o objetivo de dar potência, força e eficácia ao combate ao crime organizado. Governadores e parlamentares da direita, mesmo com as mudanças na PEC, inclusive concessões, travaram a tramitação da proposta. Com outras palavras: impediram o governo de governar. Obviamente, lá de seus palacetes em condomínio de luxo os chefões do crime comemoram e aplaudem a direita.
Em sequência, o governo do presidente Lula encaminhou o Projeto de Lei de combate as facções criminosas, conceito inexistente na legislação brasileira. A essência é apetrechar o Estado com uma legislação que contribua para que se ponha fim ao domínio das facções sobre territórios para impor opressão e exploração contra o povo. E asfixiando as atividades econômicas, financeiras do crime, que se diversificaram, indo muito além do tráfico de drogas. Em síntese: a proposta propõe aumento de penas, fortalecimento dos meios e instrumentos de investigação, “limpeza” do Poder Público – expurgando as infiltrações do crime –, estrangulamento do poder econômico das facções e a sua capacidade de comunicação, facilitar a apreensão do patrimônio do crime em favor da União, da Polícia Federal, e cooperação internacional, entre outros pontos.
Depois de terem trancado a PEC a sete de chaves, o consórcio da direita e da extrema-direita, em conluio com Hugo Motta, o presidente da Câmara, se “apossou” do Projeto Antifacção Criminosa do governo, que passou a ter como relator, nada mais, nada menos, do que o deputado federal Guilherme Derrite, secretário de segurança pública do Estado de São Paulo. Uma escancarada manobra política, eleitoreira, a serviço do projeto eleitoral do governador Tarcísio de Freitas e do próprio relator. Enquanto isso, a cobertura da grande mídia jogava uma cortina de fumaça com uma ladainha hipócrita de que o tema – vejam só! – “não poderia ser politizado”.
Ao todo, foram seis relatórios produzidos por Derrite. Dizendo ao que veio, o relator, vocalizando a vontade de seu chefe, Tarcísio de Freitas, e dos demais governadores de direita, de forma inequívoca propôs subordinar a Polícia Federal aos governadores, isto é, para combater as facções criminosas nos estados e Distrito Federal somente com a autorização deles. Se isso tivesse em vigor, a Operação Carbono Oculto, que desbaratou uma teia econômico-financeira das facções, muito provavelmente não teria se realizado. Por consequência, a fraude de mais R$ 12 bilhões, com o Banco Master e o BRB, do governo do Distrito Federal, no centro, teria tido muito mais dificuldade para ser desbaratada.
Além de tentar sabotar as prerrogativas da Polícia Federal, o relatório propôs diminuir recursos e cortar a linha de suprimentos dos instrumentos de combate ao crime organizado. Apareceu, entre as versões, algo que deixa mil perguntas no ar: a mudança no projeto do governo, que propôs o confisco do patrimônio dos criminosos em favor da União, da Polícia Federal, não sendo necessário, o trânsito em julgado. Isto porque, com protelações e manobras jurídicas, as facções, muitas vezes, acabam por dar um jeito de preservar os bens e as fortunas oriundas do crime. O relatório, para a alegria geral das facções, mantém o confisco tal como é hoje, somente depois do trânsito em julgado.
Neste périplo, houve também a tentativa, mesmo com redação capciosa, de conceituar as facções como organizações terroristas, algo juridicamente descabido. Neste particular, novamente vem à luz a subserviência ao governo Trump, pois abriria brecha para o Brasil entrar na linha de tiro da Casa Branca, a pretexto do combate ao “narcoterrorismo”. O senador Flávio Bolsonaro chegou a sugerir que a Baia da Guanabara pudesse ser bombardeada pelos Estados Unidos para afundar embarcações com cargas de drogas.
A resistência da esquerda e de setores progressista na Câmara dos Deputados, a reação de setores democráticos da sociedade, impôs certa barreira ao método blitzkieg do consórcio da direita e da extrema-direita. Mas, por ampla maioria, o relatório que desfigurou a proposta original do governo foi aprovado, com o relator tecendo louvores a Jair Bolsonaro e a Tarcísio de Freitas. Em resumo: enfraquece a Polícia Federal, retirando-lhe centenas de milhões de reais, cria dificuldades para a indispensável participação da Receita Federal no combate às facções, posterga e pode inviabilizar o confisco do patrimônio do crime organizado ao sobrepor legislações, e favorece manobras jurídicas que têm potencial para livrar os bandidos da cadeia.
Para o vice-líder do governo na Câmara, deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA), o substitutivo oriundo do relatório Derrite altera a essência da proposta enviada pelo presidente Lula, que tinha como foco descapitalizar organizações criminosas e fortalecer a atuação federal. “O Projeto de Lei apresentado pelo presidente Lula visava, entre outros pontos, a descapitalizar o crime organizado. Já o relatório do Derrite propôs descapitalizar a Polícia Federal e os fundos federais de enfrentamento ao crime”, disse. Em síntese: de conjunto, avalia que o Estado perde meios e capacidade para combater o crime.
O ministro da Fazenda, Fernando Hadad, também reagiu. “Estão abrindo o caminho para a consolidação do crime organizado no país, com o enfraquecimento da Receita Federal e da Polícia Federal. É um contrassenso. Agora que começamos a combater o andar de cima do crime organizado, vamos fazer uma lei protegendo esse mesmo andar de cima.”
A matéria ainda será examinada pelo Senado Federal, que deve ao menos corrigir as aberrações principais do que a maioria da direita aprovou, o que demanda, é claro, pressão popular.
Entre os obstáculos a serem removidos, sem o que é impossível o país avançar, se impõe o tema da segurança pública, que seu agravou, com verdadeiros enclaves, territórios, sob domínio das facções criminosas, alguma delas com dimensão nacional e mesmo internacional, com “negócios” que somam bilhões de reais. Sob a regência de Donald Trump, a direita latino-americana e caribenha manipula e tenta surfar nessa pauta, explorando o desespero de grandes parcelas do povo sob o tacão dessas máfias. México, Colômbia e, sobretudo, a Venezuela estão sob agressão do imperialismo estadunidense, a pretexto de se combater o narcotráfico.
O governo do presidente Lula, em parceria com os governadores e prefeitos do campo democrático, com as demais instituições da República, com a parcela democrática do Congresso Nacional, com os movimentos sociais, deve seguir reforçando o combate sem tréguas às facções criminosas, restaurando a ordem nos territórios usurpados, sufocando as fontes financeiras e buscando assegurar ao povo o direito à paz e à segurança.
[Qual a sua opinião?]
Leia também: A nova estratégia da direita https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/11/reforco-entreguista.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário