22 outubro 2009

Coluna semanal no portal Vermelho

O novo Programa do PCdoB e o sentido das palavras
Luciano Siqueira


Lembro-me de Miguel Arraes, que ao retornar do exílio e após meses de conversas no intuito de se reintegrar à cena política, nos dizia que as palavras pareciam ter perdido o sentido após quase duas décadas de regime militar. Ele se referia a certas teses de sentido nacionalista e à defesa da economia regional, substituídas pela acomodação ao modelo econômico dependente em vigor.

Arraes tinha razão, em certa medida, no que se referia a uma involução do pensamento de muita gente outrora progressista. Mas não exatamente quando dizia que as palavras haviam mudado de sentido – o cenário político é que era outro, bem diferente do que havia deixado quando deposto, preso e depois exilado em 1964-65.

Mutatis mutandis, como se diz, o real sentido das palavras é uma variável importante na leitura da proposta de novo Programa Socialista que o PCdoB debate no transcurso do seu 12º. Congresso. Apegados ao linguajar, digamos, clássico e a uma concepção principista, alguns aliados nos perguntam se o conjunto das proposições programáticas – relativas a um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento – significariam um abandono da ruptura com a ordem vigente, em troca de meras reformas. Também estranham a ausência, no texto, de enfáticas e repetidas referências ao caráter de classe do Estado adiante encarregado do proceder à transição ao socialismo.

É o sentido das palavras, amigos. As reformas, que se destacam no texto do programa, traduzem um nível avançado da luta transformadora, ainda nos marcos do sistema vigente; mas terão o dom, assim esperamos, de ampliar as conquistas do povo tanto no sentido da afirmação do Brasil como nação soberana e progressista, como no aprofundamento da democracia e do padrão de vida da população. E, na esteira dessas conquistas parciais, de caráter estrutural, um salto qualitativo de enorme envergadura no estágio de consciência política e de organização dos trabalhadores e do povo, que lhes permitirá vislumbrar o horizonte socialista.

Demais, o Programa é claro quando assinala que o ponto de partida da transição do capitalismo ao socialismo é a constituição de um novo poder político central, sob a hegemonia dos trabalhadores. E não esse o elemento determinante do caráter de classe do Estado a ser erigido?

Por isso é correto dizer que o novo Programa do PCdoB é a um só tempo “de reformas e de ruptura”; e que tem, sim, um revolucionário caráter de classe. Estivesse ainda conosco, Arraes certamente assim compreenderia – e, no caso, não diria que as palavras haviam mudado de sentido pela mudança de convicções, mas ganham sentido contemporâneo para expressar uma atualizada compreensão da realidade e da luta, à luz de princípios que se mantêm vivos e válidos.

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