03 fevereiro 2010

Sinal de alerta

O Recife e a erosão marinha

Jaime Gusmão Filho

Jornal do Commercio, 2 de fevereiro de 2010

Na última conferência sobre o clima em Copenhague, divulgou-se uma previsão das maiores cidades do mundo com ainda pouco tempo para visitá-las, antes que desapareçam com a subida do mar, devido ao gelo derretido. Entre elas, está o Recife.

O Recife remonta ao início da colonização portuguesa no Brasil. Com a capital Olinda em terreno elevado, a saída para o mar ficava mais ao sul, um porto natural protegido das ondas do Atlântico por uma muralha de arrecifes. O desenvolvimento da cidade foi discreto até a invasão holandesa, quando uma nova cidade foi construída na primitiva ilha de Antônio Vaz.

Em pesquisa na universidade, estudamos o crescimento de sua área física com a chegada dos holandeses. Dois terços da área dos bairros do Bairro do Recife, Santo Antônio e Boa Vista cresceram ao longo de 275 anos, do início da colonização holandesa até o princípio do século passado. Ou seja, dois terços da área destes bairros foram tomados ao mar, aos rios e aos mangues. Para isto mobilizou cerca de cinco milhões de metros cúbicos de terra, carregando com três milhões de toneladas o subsolo compressível. Desde então, novas áreas foram aditadas àqueles bairros e a mais outros, por novos aterramentos do rio e dos mangues.

Algumas das consequências estão entre os atuais problemas da cidade. É a situação de risco geológico, podendo apresentar efeitos danosos, com perdas de vida e bens econômicos, além de prejuízo na qualidade de vida dentro do espaço urbano. O processo geodinâmico, associado ao avanço e retrocesso da linha de costa, resulta em inundação de largas áreas costeiras e de baixadas próximas ao mar. O assunto já foi discutido no 7º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia, em 1992, quando nós participamos de mesa-redonda sobre riscos geológicos no Recife, com ênfase na erosão marinha.

Medições realizadas em seis localidades na costa do Brasil, durante o período de 20 anos (1950-1970), indicam uma tendência de elevação do mar entre 5 cm/século a 37 cm/século (Pirazolli, 1986). Apesar do curto prazo das observações, os resultados obtidos justificam que se comece a avaliar os impactos deste risco e o estabelecimento de uma política de gerenciamento costeiro no Brasil (Neves, 1991).

O litoral do Recife, por causa da situação anteriormente descrita - estuário de vários rios, áreas de baixada e vários canais de interligação - será fortemente impactado pela emergência do mar. Comparação entre ortofotocartas de 1975 e 1984 indica retrocesso em trechos da linha de praia, de alguns metros para até 25 metros (Neves et alii, 1991).

Esta situação é atribuída a várias razões. Redução de areia trazida pelos rios, com a construção de barragens e dragagem do porto. Construção de obras de engenharia de costa, a exemplo de portos, cais, marinas, prédios próximos à linha e enrocamentos diversos. Rochas no litoral, impedindo os sedimentos de serem movimentados do continente para a praia. Mineração de areia nos córregos, rios e canais da planície. E olhe que não se falou em subida do mar devido ao gelo derretido dos polos...

O Recife não está preparado para o cenário deste risco mais que provável. A pesquisa citada considerou a elevação de um metro no nível médio do mar, e obteve valores de 24 metros a 7 metros para o recuo da linha de costa nas Praias de Boa Viagem e Piedade, onde se concentra a população de maior renda e os terrenos mais valorizados. Maior ainda é a extensão da área inundável nas margens do estuário, lagoas e canais que se espalham pela planície, hoje predominantemente ocupadas pela população de baixa renda. O centro da cidade fica, também, ameaçado no seu sistema de drenagem.

É preciso que os órgãos governamentais reconheçam a importância de estudos e pesquisas, como os iniciados na UFPE, e inclua no seu planejamento estratégico o cenário de elevação do nível do mar. Isso implica em monitorar os pontos críticos da zona costeira pelo geoprocessamento. Estabelecer exigências de cota mínima para a infraestrutura e edificações em áreas futuramente vulneráveis. Preparar os projetos de proteção do Recife. Vez que pequenas barragens, muros de contenção e comportas em todos os canais são obras que serão necessárias para a defesa da cidade.

Jaime Gusmão Filho é professor emérito da UFPE

Um comentário:

Marlos Magalhães Porto disse...

Como bem assinalado pelo autor, é importante o reconhecimento pelos órgãos governamentais (frisaria que,em especial, pela Prefeitura do Recife) da importância dos estudos feitos nessa área. O que tem feito a gestão de João da Costa em termos de fomento a estudos sobre o impacto dessas mudanças no nosso município?