Tamarineira entre o verde e o lucro
Luciano Siqueira*
O ótimo deveria ser bom para todos. Simples? Claro que não. Mas bem que se essa idéia prevalecesse na ocupação e uso do território da cidade muitos equívocos poderiam ser evitados - tanto em intervenções urbanísticas de responsabilidade do poder local, como em empreendimentos privados. No entanto, há sempre a incidência de um conjunto de variáveis que via de regra coloca em pólos opostos a reprodução do capital versus o direito de todos à cidade saudável.
É o que parece acontecer na polêmica questão do uso a ser dado ao terreno do hospital psiquiátrico da Tamarineira. Mais do que o conflito de ordem jurídico-formal entre a Santa Casa de Misericórdia (e o grupo econômico com o qual transacionou o terreno) e o poder público municipal acerca da decisão final – constrói-se ou não um shopping center preservando 70% de área verde ou se a converte integralmente em parque público -, pesam as repercussões de uma ou outra alternativa para a qualidade de vida da população.
Ora, ninguém desconhece que empreendimentos comerciais de porte contribuem para a dinamização da economia local, inclusive para a oferta de novos postos de trabalho. Mas é igualmente certo que há muitas outras implicações a se ter em conta, contabilizadas como impactos sobre a vida no entorno. Por exemplo, a mobilidade – ou seja, transtornos inevitavelmente advindos da circulação extra de 2 a 3 mil novos veículos que se abrigariam no estacionamento, conforme o projeto esboçado.
Daí a absoluta legitimidade da oposição ao empreendimento sustentada por parcela expressiva da sociedade, liderada pelos “Amigos da Tamarineira”.
“Se o terreno é privado e o projeto respeita as leis vigentes, ninguém pode impedi-lo”, se poderia dizer. Correto, sob prisma meramente jurídico ou burocrático. Errado sob o prisma da defesa da vida.
Mais: a Constituição promulgada em 1988 estabelece em seu artigo 170, inciso 3, a função social da propriedade. Conceito confirmado no Estatuto da Cidade, que coloca à disposição do gestor municipal um conjunto de dispositivos precisamente destinados a resolver situações de conflito segundo os interesses superiores da população.
O argumento se justifica mais ainda, tanto quanto se considere a dimensão reduzida do nosso território – apenas 218 km quadrados – para abrigar uma população que ultrapassa 1 milhão e 500 mil habitantes. Ter ou não mais áreas verdes é, assim, uma variável decisiva.
Tudo faz crê que se trata de uma pendenga de longo curso, cujo desenlace certamente dependerá do tamanho da pressão exercida pela sociedade.
* Colaboraram Custódio Amorim, Janaina Granja e Márcia Branco.
2 comentários:
É uma pena, Luciano que enquanto vice-prefeito você não tenha defendido a área.
Precisamente por isso - ser o vice-prefeito - não tinha assim tanta liberdade para esse tipo de iniciativa. Demais, o prefeito João Paulo, a meu juizo, posicionou-se corretamente. Mas faltavam-lhe instrumentos competentes para resolver a questão, salvo através de uma inviável desapropriação.
Receba meu fraternal abraço.
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