Tapem os ouvidos e não chamem a polícia
Ronaldo Correia de Brito*
Publicado no Terra Magazine
No dia 7 de janeiro, segundo da festa de Santo Amaro, o padroeiro de Taquaritinga do Norte, teve um concurso de paredão. Para quem não sabe, paredão é como chamam o som de um carro, alguns parecendo mais um trio elétrico do que um auto de passeio. Camionetas enchem as carrocerias de caixas de som e saem por aí, instaurando a desordem no mundo sem lei do Nordeste, coisa parecida com Lampião.
Atravessei por esse campo de batalha, os inimigos sonoros nos dois lados da pista que dá acesso à cidade. Meus ouvidos reclamam até hoje. É normal e de direito uma pessoa ligar o som do seu carro em qualquer lugar: na praia, numa serra como a de Taquaritinga, no meio de uma praça, na frente da casa do vizinho. Não é de direito reclamar contra esse abuso. Na prática, nenhuma lei protege quem se sente incomodado. Os mais afoitos, quando reclamam, se deparam com uma horda de bêbados agressivos, que partem para a ação física, geralmente sacando revólveres. A polícia nunca comparece ao local, alega não haver contingente bastante e estar ocupada com questões mais sérias que ouvidos sensíveis.
Será que em Marte existem paredões? Se alguém souber a resposta, por favor, me escreva. No Canadá, as cidades são silenciosas e seguras. No interior do sul do Brasil também eram, há alguns anos. O jeito é mudar para lá. Na minha infância, o cariri cearense lembrava o paraíso. Hoje parece o inferno com milhares de carros e motos circulando para cima e para baixo.
Taquaritinga fica no agreste setentrional de Pernambuco, onde o transporte popular são as toyotas. Até alguns anos atrás, a principal fonte de renda vinha da agropecuária. Da noite para o dia surgiu e cresceu a produção de roupas, conhecidas como sulanca, prosperando uma classe social que antes morava no campo. Junto com Caruaru, Toritama, Santa Cruz do Capibaribe e pequenos distritos, a região ficou conhecida pela exportação de moda, sobretudo jeans.
O crescimento econômico não veio de mãos dadas com o crescimento na educação, na cultura, na preservação do meio ambiente, na saúde e saneamento, no controle urbano e na segurança. A região passou a sofrer as mesmas mazelas dos grandes centros: consumo de álcool e drogas, aumento da violência, sobretudo no trânsito caótico dominado pelas motos. Tornou-se o retrato de um progresso desordenado, que trouxe ganhos ao PIB, mas uma conta social elevada.
As pessoas abandonaram os sítios, passando a morar nas periferias das cidades. As poucas que ainda residem no campo, sobrevivem do trabalho para as fábricas de sulanca. Instalaram máquinas de costura em casa e recebem as encomendas na porta. São os motoqueiros que se encarregam desse transporte. As toyotas fazem as entregas mais volumosas e levam os fabricantes para vender seus produtos nas feiras. A nova economia da região depende do trabalho dos toyoteiros e motoqueiros, assim como eles dependem das motos e das toyotas para sobrevier.
Nada contra os novos meios de produção do agreste e a mobilidade das classes sociais, que adquiriram mais poder de compra. Celebraria tudo isso com fogos (apesar de odiar o barulho) se as estatísticas em curva ascendente também fossem registradas na educação. Não são. Continuamos um país subdesenvolvido nesse item, principalmente no Nordeste.
O Toyoteiro que trabalha pesado durante a semana acha justo encher a cara de aguardente no domingo, substituir os bancos do carro por caixas, subir a serra e curtir a cachaça ao som de um forró abominável, no último volume, pouco ligando para os moradores que fogem do barulho da cidade. É um assassinato. Cada nota soa como um tiro no coração. Ninguém controla o cangaceiro. Ele acredita que pode qualquer coisa, da mesma maneira que pode andar sem cinto de segurança, passageiros com as pernas fora do carro, excesso de lotação, pneus carecas, faróis e sinaleiras sem funcionar e até embriagados. Nada que ele não resolva no jeitinho brasileiro, se acontecer a remota chance de ser parado por um policial.
Viva-se com um barulho desses. Reclamar a quem, a Deus? Já não existem profetas como Elias, que invocava os poderes do céu e os raios desciam lá de cima, aplacando sua fúria de justiça. Fazer o quê? Mudar-se. O poeta japonês Bashô, aquele que inventou o haicai, só possuía um guarda-chuva e isso lhe dava mobilidade para deslocar-se, criando sua poesia. Acho que vou fazer o mesmo, comprar um guarda-chuva made in China. Difícil será encontrar um lugar silencioso no Nordeste do Brasil. Vocês conhecem algum? Escrevam para mim dizendo, por favor. Mas não vale piadinhas como me recomendar o Cairo.
*Ronaldo Correia de Brito é médico e escritor. Escreveu Faca, Livro dos Homens, Galiléia e Retratos Imorais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário